sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

INTENTO - DA VOZ - A NUVEM DERRADEIRA -


convencido -  que deixamos - concluir-se o intento - da voz -  através - do corpo - que se esvai - imagens esparsas - do último momento -  a nuvem derradeira -

  

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

AS IMAGENS DO INOMINADO - GAZE - NO ALENTO DOS BRÔNQUIOS -


as imagens do inominado - tênue pavilhão - gaze - no alento dos brônquios  - enfastiada palidez  - des-ser - esófago - suco gástrico - sofrimento e morte -  irreversível -

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

UNICÓRNIO - VOZ DO LATENTE - SEU CORPO INTERMITENTE - MAPAS - DO DESCONHECIDO -


sobre a flâmula - do comedido - resta-nos a  luz evanescente - o unicórnio - mais que sabido - meu desejo perdido -

já perscrutei no enlevo dos lábios - a voz do latente - seu corpo intermitente - cartas anónimas - que retive - mapas - do desconhecido -

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

ECRÃ - MAPA DO INAUDÍVEL - VENTO ELECTRÓNICO - COSMOS - DO INTRADUZÍVEL -


sobre o ecrã - do telescópio - o mapa do inaudível - vento electrónico - beleza da equação - o sal do  pulmão - indelével  - cosmos -  olor do prado -  mente - súplica - do intraduzível  -

 

 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

PALOMAR HERMÉTICO - AVIDEZ - DA ASTRONOMIA - O W - DA CASSIOPEIA -


através do   brilho nublado - vais fixando - contíguo ao pátio - o extravio dos mapas - essas galáxias  - do circunspecto -

resta-me expurgar - a matemática do sumptuoso - meu telescópio - que subestimo - palomar - hermético -

sob as  nuvens do inflexível - seguimos viagem - permanecemos na avidez - da astronomia - o w - da cassiopeia -

eis as figuras  - do inábil - a relatividade do erro -  entre órbitras - as imagens - do insubstituível  - 

 

terça-feira, 13 de novembro de 2012

SOB O JUGO DO CIRCUNSCRITO - A ASTRONOMIA - NA NOITE - INTENTO - DAS ESTRELAS PRESUMIDAS -


sob o jugo do circunscrito - a incongruência do peremptório - céu renhido da astronomia -  as imagens prematuras - reger-me pelo ecrã indefinido - a prova decisiva - na noite - reflexo nas lentes - symmetria do opaco - eis-me pronto a esquecer o telescópio - recôndito intento - das estrelas presumidas -

 
 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

ANTE O RIGOR DOS MAPAS - A ASTRONOMIA - PARA ESQUECER - SAL E ESPUMA - FRÉMITO DO QUE SE DISSIPA - NÃO CHEGAR - A LENTE CURVILÍNIA - DE EDWIN HUBBLE -

ante o rigor dos mapas -  a astronomia - para esquecer  - dafne e cloé - o cemitério marinho -  o que devém - incomparável -  na voz de píndaro - minhas longas viagens - altas torres - barco bêbado - na amplidão - vácuo - permanência do audível - nomeação - mandrágora - passo incansável - sal e espuma - frémito do que se dissipa - não chegar - ao zero-círculo - a inércia polar - para esquecer  - sob o céu pesado - a câmara do avesso - a geometria do discreto - meu tractatus - inegualado - prelúdio da elucidação - matéria cosmos - no que perscrutas - a lente curvilínia - de edwin hubble - poeira irremovível - em demasia - as obíquas imagens - do inalterável -




terça-feira, 9 de outubro de 2012

LUZ DO OMISSO - NO NÃO-DITO - FRÉMITO DO INVERSO -

errei todo o discurso dos meus anos - no que concedo - a luz do omisso - os mapas e in-fólios - a lucidez do extemporâneo -

devo permanecer - no não dito - sobre o que transborda - o frémito do inverso - transpôr as prisões baixas - a argúcia - do que cessa - a voz do inadiável -



sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O EMPHATICUM - A VOZ DE FRANÇOYS VILLON - INFINDÁVEL - SUBTERFÚGIO - DOS MAPAS -

fixar o emphaticum - a voz - de françoys villon - escollier - no intento - do imponderável - acolher - o que se esvai - no sal - da insónia -


nesse copo de dados - perscrutar o avesso e o recôndito - e transpor os sinais do inenarrável - as figuras do ilegível -



ante a cúpula de pedra - sobre a espessa luz - do desconhecido - como retomar - o esquivo -  o velo de ouro - o infindável - subterfúgio - dos mapas - o mar intacto ? -

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

RASTRO DAS FIGURAS - SOBRE O SAL DO INCERTO -

o que perpassa  - na pedra  e  na cal   - rastro das figuras - sobre o sal do incerto  - a serpente e o boi - naus  e mapas  - do peremptório  -


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

MÍSERO PECÚLIO E MENTE NULA - POLÍTICA BAZAR - DO CONSTRANGIMENTO -

saber-me na validez - da fatalidade - mísero pecúlio e mente nula - lucidez do inacessível - ceder à amálgama - doutrinas sórdidas - fanfarronice bancária - a política bazar - do constrangimento -

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O EPIGRAMA DO DEFINITIVO - VOZ MALOGRADA - INTRANSMISSÍVEL -

fica-me a luz inalterável - o sal - clamor do contínuo - meu legado - convalescente - vénus inacessível - este tempo ignaro -  sob o céu do exasperado - o epigrama  anónimo - do definitivo - voz malograda -  intransmissível ? -   

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A VEEMÊNCIA - DO INACABADO -

AS NAVES DO SOLÍCITO

sobre as naves - do solícito - que luz desponta - na pedra húmida - dos túmulos - de ver - o imperceptível octógono - a veemência do inacabado ? -


O FRÉMITO IRREPREENSÍVEL


confinado ao que soçobra no olvido - o frémito irrepreensível - cada figura - se volve - inalcançável - tudo se furta ao dizer - na convulsão do aéreo - a clarividência do excesso -

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

PÓRTICO - ARGÚCIA DO ÍNCUBO - INVEROSÍMIL -

quem se furta à visibilidade - o pórtico indescritível - sob o que se torna explícito - ignora a sucinta pedra - a argúcia do íncubo - inverosímil ? - 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

CÚPULA - MAR - PEDRA QUE SUBSISTE - IRREPETÍVEL -

evadir-me no ar - sobre a cúpula indefinível -

ser as traves e os arcos - as naves do suspenso -

este mar - atrás da pedra que subsiste - irrepetível -

meu sal do prolífico - traço hermético - inacessível ? -





terça-feira, 21 de agosto de 2012

FOTOS - DA LONGA VAGA - PERPETUIDADE DO SAL -

ficou-me do que vi - seu fato de banho - sucinto - a nudez - sob a pedreira - lucidez do inábil - a insistência dos mapas - por antecipação - as fotos - da longa vaga - areia branca - perpetuidade do sal -








segunda-feira, 20 de agosto de 2012

ESCRITA - ZODÍACO - MAPA AO REVÉS - SAL DO PROLIXO -

a sua escrita - zodíaco - obliquidade - água marinha - mente esquiva - por detrás da opacidade - o segredo - ilha - mapa ao revés - sal do prolixo -




sexta-feira, 17 de agosto de 2012

ORLA DO ESPARSO - CAL E MOLUSCO - RETINA IMPRECISA -

confinado ao que cessa - a câmara clara - sua presença porosa - luz reflectida -

orla do esparso - cal e molusco - película - mar exalado - retina imprecisa -

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

VOZ - IRREDUTÍVEL - MAR E SAL - DO EXPLÍCITO -

sob o céu amplo - por entre a luz incontida - a sua voz - irredutível -  mar e sal - do explícito - vaga do irresoluto - espuma que se dissipa -

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A FALÉSIA - O ASTROLÁBIO E O SAL DO INEXCEDIDO -

eu me abandono ao mar latente - e à furtiva espuma - os mapas e o céu do aéreo - e tudo esqueço - nas manhãs - da luz - indefinida - a falésia - o astrolábio e o sal do inexcedido -




sexta-feira, 3 de agosto de 2012

IRREPARÁVEL - DESÍGNIO - VERE ESSE - INFLEXÍVEL INCONGRUENTE -

escutando o irreparável - desígnio - vere esse -  no alento do irreversível - ir forçando a memória  - do incoerente - vislumbrar - o fracasso e a decepção -  inflexível incongruente -

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O SAL DO IRREVERSÍVEL - A LÍNGUA DO IRRECUPERÁVEL -

confinado à intempérie - o sal do irreversível - busquei a lucidez - do implícito - a língua do irrecuperável - nesse desígnio - matricial - as nuvens do indescritível -






quinta-feira, 26 de julho de 2012

LANCE DE DADOS - MAPA - IRREVERSÍVEL - LIAME DO INSOLÚVEL -

a palavra do anónimo - lance de dados - mapa - irreversível -  voz - do veemente - ténue miséria - fragilidade do bem - liame do insolúvel -

saber-me no incongruente - sobre a nave - de pedra - humedecida - a abóbada indefinida - a pluma - ave - inadiável -

cativo da imagem dúbia - do êxtase devolvido - o tempo que resvala - na ampulheta - mar e o céu que se dissipam -

quem subsiste na luz - do meticuloso  - pela biografia - se revela no súbito devaste - dos rolos da torah - o grito - imprevisto ? - 

terça-feira, 24 de julho de 2012

LUZ DÚBIA - FRÉMITO DAS NUVENS - VOLUTAS DO IRREVERSÍVEL -

permanecer na luz - dúbia - sob o frémito das nuvens - as sereias - réstias de sal - volutas do irreversível - entre as naves do íngreme - pedra e céu - do incisivo -








quarta-feira, 18 de julho de 2012

NUVEM DE CAL - SAL DO INEXISTENTE - MAR INDISCRIMINADO -

Onde a nuvem de cal - o frontispício  -  a subtraída minúcia  -

Do que não cessa ?- O sal inexistente - inalcançável verdade ? -

Sob o arco - de espuma - a rama dourada - por entre o céu -

Do defnitivo ?- O incêndio da luz - a nave do aéreo - a serpe ? -

Atlas - de pedra nativa - gárgula - mar - do indiscriminado ? -

sexta-feira, 13 de julho de 2012

VOZ REFRACTÁRIA - TÁCTIL - INTRANSFERÍVEL - SAL E ESPUMA - DO INCESSANTE -

O que subjaz na luz - irrecuperável - na voz refractária - táctil - intransferível - sal e espuma - do incessante - nesse sono denso - vácuo dos pulmões - a lente - onde me reclino - imagem inatingível - da medusa - cemitério marinho - mapas e céu exasperado - fotón - incêndio do inflexível ? -




segunda-feira, 2 de julho de 2012

POR SOB A LUZ ELÉCTRICA - FRÉMITO DA ASMA - RESPIRAÇÃO DO INALCANÇÁVEL

permanecer  convalescente - na cegueira irremediável - pelo mar inigualável - por sob a luz eléctrica - aguaceiro inexplicável - os rins -  frémito da asma - respiração do inalcançável -

sexta-feira, 22 de junho de 2012

O AGUACEIRO - O PÁTIO E A CASA - ODOR DO SARGAÇO - MAR INALTERÁVEL -

por sobre as dunas - a convulsão do aéreo - o aguaceiro - o pátio e a casa - cal do definitivo - odor do sargaço  - mar inalterável - nesse afã do inábil - meu legado - maturação dos fotogramas - imagens  do resoluto - sinais do intransponível - 

quinta-feira, 21 de junho de 2012

CÂMARA OBSCURA - IMAGEM DESBOTADA - ALENTO DO IRREVERSÍVEL -

tenho que retomar a câmara obscura - na ânsia do circunspecto - o signo cifrado - nas figuras do intrínseco - percorrer a imagem desbotada - no alento do irreversível - perpetuar a profusa - indecibilidade -  inviável desconcertante -

quarta-feira, 20 de junho de 2012

ESCURIDADE - DA MENTE - SOBRE O INÓCUO -

buscámos a insuperabilidade da linguagem - o mar irrevogável - através da insana claridade - dos mapas - a veracidade da lâmina - palavra a palavra - a escuridade - da mente - sobre o inócuo - a cegueira do exangue -




terça-feira, 19 de junho de 2012

INÚTIL COMEDIMENTO - PALAVRA MOTIM -


partir esquecendo a poeira sideral  - possessão do corpo - irrecusável contrição  - o marasmo e a demagogia - sobre o que inventamos - o inútil comedimento - palavra motim - bênção do desprezo - no que abdiquei - para expurgar a veemência do poder - que ousa ser o incitamento à falência - a rota da miséria e do medo -  

quinta-feira, 14 de junho de 2012

PEDREIRA - IMAGEM DO EXÍGUO - PULMÃO INACTIVO -

por detrás dos mapas - em noites de abandono - o céu pesado - as baleias da gronelândia - do que ficou a premência do gelo - súbita a pedreira - do irresoluto - semicerrada imagem - do exíguo - pulmão - inactivo - inexorável - corpo - do aéreo - indelével nau - torre -  do obstinado - luz esmaecida - bosque interminável - voz narcótica - sobre a lousa e o arcano -






terça-feira, 12 de junho de 2012

NUBLADA A VISTA - LENTE DESFOCADA - EM MARÉ-VIVA

a sequência do erro - opacidade que ficou - nublada a vista - sobre seu corpo - submerso - a lente - desfocada - em maré-viva - rente ao sargaço - o areal - de pedra - indefinida -



segunda-feira, 28 de maio de 2012

CLAREZA DO INÓCUO - LENTE NUBLADA -



sob a clareza do inócuo - minha lente nublada - mente dúbia - para extrair uma só foto - do contíguo - o passadiço - mar do exangue -




sábado, 26 de maio de 2012

IRRELEVÂNCIA CAUSAL - CATÁSTROFE - O QUE SE DESMORONA -


sobre a irrelevância causal - de quanto julgo saber - desenhando - só - para expurgar a catástrofe  - na presunção - do exaustivo - o que se desmorona -

terça-feira, 22 de maio de 2012

PRIMITIVO, PRIMORDIAL, PRIMEVO


xamanismo e demonologia das origens 


Elisabete Pires Monteiro (Sully-sur-Loire, 1974) concede um lugar decisivo ao “arcaico” e ao “primordial”. Encontra-se aqui a parcela de acerto entre o mito e o rito. Os rituais, segundo vimos, tornaram-se, pois, no mundo grego arcaico, muitas vezes a origem dos mitos. Mais que um enquadramento das unidades de significado - os traços distintivos - importa considerar uma arte (originária e original) que nos remete às figurações do xamanismo (susceptível de ser apreendido enquanto manifestação). Trata-se de uma pintura que veicula a protociência da sociedade primitiva: a magia branca e a magia negra (considere-se, por exemplo, a feitiçaria, o encantamento, a bruxaria, o curandeirismo, a taumaturgia, etc.).


técnicas do êxtasse 

 Entender estes quadros requer transladar-mo-nos à terra dos xamãs. São eles, efectivamente, que colocam o acento não apenas nas técnicas (difíceis) do êxtasse, mas também na tomada de consciência das forças do tabu e do maná, só se compreendem bem no contexto da experiência da demonologia das origens. “É verossímil - segundo Walter Shubart - que a religiosidade humana tenha-se despertado à vista do primeiro cadáver. Mesmo as formas mais primitivas da religião, no totemismo, por exemplo, atestam, ao mesmo tempo, o terror colectivo e a veneração cultual. O tabu engloba os conceitos aparentemente inconciliáveis de sagrado e de impuro. Os dois se unem no conceito mais amplo do inacessível, do intocável. Entrelaçam-se, assim, o medo divino e a repulsão demoníaca” (Eros e a Religião, 1975, p. 13). Retornemos todavia à consideração dos experimentos de uma arte (cena) "primal" como: primitivo, primordial, primevo. Um ante- tematizar, "mostrar" ao invés de "dizer".


 Ceux qu'ils restent
Acrílico sobre tela


tremendum et fascinans

Na pintura de Elisabete Pires Monteiro desvenda-se a familiaridade com um sistema simbólico do qual participa e cuja lógica é directamente a do xamanismo. Na sua arte circula num constante vaivém do olhar xamanístico para o olhar do pintor-etnólogo: o “mysterium tremendum et fascinans”. Falámos dum “primitivismo” mágico-religioso (inconsciente, espontâneo) da psique humana, da emergência de uma lógica (ou de uma cosmovisão) que opera por meio de técnicas arcaicas do êxtasse e coincide com os conjuros e a prestigitação, a adivinhação e a teurgia, os amuletos-talismãs e santos-e-senhas de magia. Devemos contudo notar que o xamã enquanto homo religiosus vive o influxo da sacralidade da natureza e a religião cósmica. Referimo-nos às viagens místicas ao céu e as descidas ao inferno, a conversação com Deus, seres semi-divinos e as almas dos mortos, etc., e isto é capital.

 Taumatúrgo, Xamã
Acrílico sobre tela

“sagrado selvagem”

Trata-se de determinar aquilo que esta pintura evoca: os xamãs - o inter e o trans-mundo - o motivo do sacrifício - o “sagrado selvagem” (Roger Bastide). Podemos aliás facilmente verificar, na arte de Elisabete Pires Monteiro, uma espécie de formalismo que nos remete para as simbolizações primordiais e os caracteres arquetípicos . É aqui que intervêm o inconsciente, a compulsão à repetição. O xamã - como Mircea Elíade admite - é o grande especialista da alma humana. Só ele a “ vê”, porque conhece a sua “forma” e seu destino” (El chamanismo e las técnicas arcaicas del êxtasis, Fondo de Cultura Económica, 1960, p. 23). Digamos que a problemática do xamanismo, a que o autor de “O Sagrado e o Profano - A Essência das Religiões” deu tanta importância, reaparece, uma vez mais, como via de acesso dos poderes mágico-religiosos.


 Trans-mundo
Acrílico sobre tela

visão, theoría 

De uma coisa podemos estar certos: a persistência de um certo pathos xamânico nas sociedades arcaicas. O que está em jogo, então, são as técnicas e ideologias mágico-extáticas, aquelas que, de facto, dizem respeito ao esquema cosmológico “clássico”. Note-se bem, e insistimos mais uma vez, neste ponto, que a própria etimologia do êxtasse alude ao voo ou viagem fora da nossa particularidade. O problema está posto em termos de uma a espiritualidade tribal que se reduz em última instância à dialéctica do transe. Podemos mesmo afirmar, partindo de F.M. Cornford, por exemplo, que a Grécia Antiga assimilava a verdade com a visão. Curiosamente as tradições xamãnicas também entenderam a verdade como visão (que revela e permite ser). Já Aristóteles havia procurado a origem do pensamento religioso na realidade das experiências psíquicas. O conceito de theoría, mediante o que descobre a suprema experiência do sagrado pelo homem, expressa em primeiro lugar a realidade física de uma visão, cuja semelhança com as festas religiosas colectivas de Olímpia e com as Dionisíacas ele mesmo sublinha.



Alexandre Teixeira Mendes Porto, 17 de Maio de 2012

segunda-feira, 30 de abril de 2012

ESVAIMENTO - VOZ DO INSONE - UNÍVOCO - ANÓNIMO




quem se detém - na palavra - do irremediável - cede à melancolia - permanece nesse esvaimento - o que se refracta - a voz - do insone - reclina-se - na obscuridade - pelo impassível - entre mapas e retratos - os versos dourados de pitágoras -

os cadernos do implícito - tractatus - revólveres -  sinais do irreflectido - kierkgaardiano involuntário - o corpo - do meticuloso -  que emerge - no unívoco - anónimo -

terça-feira, 24 de abril de 2012

IMINÊNCIA DO CIRCUNSCRITO

quem subsiste na inadvertida voz - do  incongruente - iminência do circunscrito - pelo irreparável - a palavra do informulado - 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

TRAÇO DO DÍSPAR - RECESSOS DA MENTE - INDEFINIDA -

transpôr o traço - do díspar - nos recessos da mente - indefinida - precipitar-me na danação - da pintura - obstinada - inconcebível - recolher-me no sono - a luz dos vestíbulos - sobre a clareza do dúbio - perpetuar a música - do insone - e atear - o incêndio dos in-fólios - daguerreotipos - tarós de marselha -

sábado, 7 de abril de 2012

L'ITINÉRAIRE DU FEU

on en deviendrait fou - j'avance dans une abime que je ne sais voir - que je crains de voir - tombent les fleurs - coule l'eau -

partager l'âme - le feu de fièvre et d'errance - il ne me reste que toi - le soleil qui s'efface et les nuages -

l'or et l'inconscience nocturne - le corps amoureux que tu cherches - illuminant la voix et la parole -

je suis l'itinéraire du feu - j'ouvre la porte et j'entends la mer - jusqu'à tes yeux - la voix si lucide - l'illumination sans nom - invisible -


terça-feira, 3 de abril de 2012

BALEIA BRANCA - ICEBERG INABITÁVEL

aqui me deito sobre o incêndio - dos mapas - o que se esvai na pedra - emudecida - a memória do incessante -

resta-me perpetuar - a lava - o seu corpo inadiável - permanecer emerso - na lente - nublada - mar do desnecessário -

jamais pude esquecer o ar polar - a baleia branca - iceberg inabitável - a exasperada voz - do insano -

pouco me importa a dor - do diafragma - o revólver - acima da sua própria cabeça - o pânico - pulmão - fugaz momento - da respiração - inviável -

ante o manicómio - o mútuo desdém - logro clínico - nuca - inacessível - prelúdio do incomensurável -

quinta-feira, 29 de março de 2012

OS MAPAS - INFÂNCIA IMÓVEL -

volver-me às cartas de tarot - a perfeita imagem - do inexplicável - descerrar os mapas - do incomensurável - cingir-me ao parco - o indescritível - e permanecer no signo velado - rente à adversidade - a infância imóvel -

segunda-feira, 26 de março de 2012

TEATRO - INEXPUGNÁVEL -

- INFINITO ENCENADO -

saber que diviso - o teatro - inexpugnável - infinito encenado - a voz - insistente - do irresoluto - na incumbência da noite - hei-de partir - e remover as palavras - do irreversível - urdir a alucinação - do sucinto - a plausibilidade do díspar -

quinta-feira, 22 de março de 2012

TREMOR IRREVOGÁVEL

recordo o olho de boi - trespassado - por uma lâmina - de ar -

o grito - a pedra do inacessível - os mapas do incomensurável -

voz hebreia - pão ázimo - entre a noite - o tremor irrevogável -

sobre a luz obtusa - em teu flanco - a pedra - incêndio exacto -

RETINA DO ESPESSO

transpor a retina do espesso - o gueto - tácita palavra do deserto -

ser o foragido da inconsistência - manter-me na órbitra do infindo -

reter a pedra - para inquirir - transpor o pecúlio - baú do mantimento -

quarta-feira, 21 de março de 2012

SAGESSE, SABER E SABOR

- ESCRITURA E DISCURSO EM FÁTIMA VALE E BRUNO MIGUEL RESENDE

Sagesse, saber e sabor são três palavras com a mesma raiz, provenientes do latim sapere, que significa ter o gosto (ou o perfume). Elas revelam-nos o caminho que Fátima Vale e Bruno Miguel Resende escolheram indicando talvez os tópicos de uma “escrita-gozo” onde se retoma o apego trans-versal ou neo-maneirista (nas exigências de l`artífice) - a vocação visionária. Falada ou escrita, a língua precisa de “prazer”, do jogo de palavras, da “alegria” do texto. Não podemos, no entanto, deixar-nos seduzir pelo poder criador da abstracção ou pela magia da palavra. Porque, a crer em Martin Heidegger, “o que se enuncia por palavra nunca é, em nenhuma língua, o que se diz” (Questions III, pág. 35)

topologia oracular

A complementaridade entre as poéticas de Fátima Vale e Bruno Miguel Resende é agora mais patente. Em ambos, a primazia da língua - o impossível que lhe é próprio - a confontração com a melancolia. Reencontramos aqui as conexões ou os registros híbridos - xamanísticos ou mágicos - a philia dos filósofos - o preciosismo e o rebuscamento verbal . São duas modalidades - sujeitos-de-enunciação - escritas - que, à primeira vista, não procuram objectivos comunicativos. Os seus textos - no intervalo entre a Patafísica de Jarry e a estética do duende e do aduendado de Garcia Lorca - surgem-nos ancoradas na “alquimia” e na “imaginação activa” e, por conseguinte, nos avatares da (com) pulsão erótica. Parte-se do intentio des-construtor (na emergência da topologia oracular), das narrativas-moldura, do eros cognoscitivo.

escrita depurada - uterina

Em “´Spabilanto” (Incomunidade, 2012) de Fátima Vale enraíza-se uma poética da catarse e da doação (sob o influxo das iluminações). Trata-se de uma uma escrita depurada - uterina - onde se increve (de forma directa, imediata) o affectivus (o transbordamento pulsional). Poderíamos falar de uma poesia orante cuja lógica é a da re-afirmação do metamórfico e do epifânico. É necessário ter em conta o stylo original de confluência simbólica e linguística bilingue (entre o português e o mirandês), Trata-se, pois, de um poemário miscellanea do erótico e do festivus, da defesa do maravilhoso, do inusitado ou “primordial”.

códigos da origem

A estética de Fátima Vale remete-nos ao “teatro” do (cosmos) texto: ”os códigos da origem” (pág. 24). Este conjunto de 18 textos - exercícios da escrita - sob a fluidez do sensível - concedem ao imitatio “imitação”, por sua sinonímia com “cópia”, quanto seu correspondente grego, mímesis, a sua importância primordial. Refira-se: “mimesis da memória/hermética dissolvência da resenha pura/palavra erecta”(pág 11). Assente num discurso de “a terceira voz“ (p. 30) - de afirmação de uma ars erotica - poderíamos falar, efectivamente, de uma poética do sensível – sob a hegemonia da terra-matriz animada - a partir justamente dum apego à insânia - o pathos dionisíaco - ou o privilégio do êxtasse e da ebriedade. Eis a questão fundamental que se põe: a escrita-excepção e o actor-xamane.

delphis, matriz

Existe um forte pendor lírico (mediúnico) na obra de Fátima Vale. Nela se põe em relevo a marca délfica (que nos remete à palavra delphis, a “matriz”) - o (inter) texto cultural - a hybris trágica - o fluir heraclíteo. Não é difícil notar o pendor de uma escrita que parte do ludus, jogo, e do illudere, jogar, é a aposta da desmesura, do discurso engenhoso. Pode dizer-se, contudo, que estes poemas nos remetem a um tipo de escrita erudita - (tran)sensorial - da desmedida do ser - do corpo pulsional (no fluxo de um idioma sumptuoso).

“plateaux”

“Falosofia”(incomunidade, 2012) de Bruno Miguel Resende é uma afirmação da (des)construção - dos insights para-sóphicos - da prática intertextual - primum falum - eros. No seu registro híbrido - mas também contaminação de géneros - torna-se visível uma escrita por “séries” ou “plateaux” - de (des)ligações - quadros - especulações - na imbrincação do teatro e do symposium. Todavia uma poética singular (no regime a-teológico) ancorada numa série de figuras ou narrativas - um parafrasear de multiplicidades - as glândulas genitais. Convém fazer referência - em sentido lato - a um texto puzzle onde se cruzam, em última análise, os chistes e os trocadilhos sofisticados, a ironia no “des-figurar” a convenção escrita.

montagens agenciamentos

Dez (10) quadros - digressões – que se fundam sobre a evenemencialidade da linguagem. Irrompências selváticas (do latim selvaticus, “o da floresta”), monó(diá)logos - dissertações - “textualidades vínicas” (p. 24). Um livro que nos remete, pois, a Apuleio, Rabelais, Jarry ou Bataille: as montagens agenciamentos - manipulações anagramáticas - encenações textuais. E isto a partir de um universo discursivo marcado pela tensão expressiva e simbólica – a língua como desejo - a inflexão inusitada - a (ultra)dimensão do sentido.

paradoxo

Bruno Miguel Resende começa o seu livro atribuindo à teatralidade um papel capital (põe precisamente, como Artaud, os mistérios de Elêusis como paradigma do teatro autêntico). Ele faz daí o “lugar” da emergência do paradoxal. O paradoxo não se opõe ao verdadeiro mas ao que nos parece ou aquilo que entendemos ser verdadeiro. O fim do paradoxo é para a filosofia o começo da verdade. O paradoxo é por isso a condição da possibilidade do pensamento. “Ora a verdade - como nos diz - escreve-se e enterra-se. Desenterra-se e reescreve-se (…) Confirma-se algo pela sua descendência” (pág. 13).

vénus - veneno

A noção de “Premonitório. Prestidigitação cosmogónica (…) Surrealização” (pág. 10) é também importante para compreender o ponto de vista sobre a escrita de Bruno Miguel Resende - enquanto voz do impossível - antropofagia - “redescoberta visceral do outro em nós” (pág. 6). Desenha-se uma lógica que nos remete à philia (amizade) e à sophia (saber, sagesse). Estas questões aclaram-se se as remontarmos à noção de philosophia - amor da sabedoria - ciência do ser - o que é já reactivação da theoria - que se de-compõe? Mas há mais: a primazia dum discurso em torno de vénus (e por meio da qual se chega à noção latina de amor físico, acto sexual). De vénus derivam o veneno (venenum) e o venenoso.

erecção e direcção

Voltemos à escritura, traço, suplemento, hymen, o falo(logos) (afim da erecção e da direcção). É aqui que intervém pã e príapo - o falo do corpo do deus para fazer dele o símbolo sagrado do erotismo. Os modelos que se trata são, igualmente, o venerável e o venéreo. Segundo as teses de Lacan o primeiro significante é o falo. Lembremos que Freud fala da premissa universal do falo, sendo este o lugar onde a diferença anatômica se torna logicamente impossível e onde - segundo - Germán L. Garcia - se produz a alienação de um sexo por outro, e desaparece a relação sexual. O real da diferença fica oculto (no sentido de ocultismo, de abismos e enigmas). O autor de "O chiste e a sua relação com o inconsciente" põe - no termo da análise psicanalítica - um nome à incerteza sexual generalizada - bissexualidade - que sanciona as dificuldades da identidade, a partir dos "caracteres sexuais".

Livraria Traga-Mundos, Vila Real, 10 de Março de 2012

Alexandre Teixeira Mendes

quinta-feira, 8 de março de 2012

"RANHURA" DE CARLOS VINAGRE

- lógica do convulso, uni-verso orgânico


“Ranhura” (principícios, Lisboa, 2012) de Carlos Vinagre (1987) põe de facto em relevo o eclodir do corpo e da escrita, abertura para o confronto com um horizonte pré-dado, sempre aberto, hiância ou fenda. Um substantivo feminino (preciso) como pré-requisito. Poder-se-ia levar em conta, porém, o seu pendor melancólico, uma poética de tensão e mesmo de paradoxo, onde se valoriza a imanência e o cepticismo (movimento iniciado por Piron e sua escola no século III A. C.)

e não mais que o aparato lógico
uma arritmia alojada pela porta do cutâneo
uma desconfiança de tudo quanto existe
e uma corda a enrolar-se na espuma exacta (p. 24)

A característica desta escrita é o relevo dado ao uni-verso orgânico (na sua expressão fisicista - nuclear e totalizante - de “arquétipos” ou “imagens-princípios”). Na utilização das metáforas quase-conceito relacionadas com as asserções “intensivas” da bioquímica - o ADN inscrito no corpo - a entropia - a indeterminação - a própria (in)comunicação patológica. "Há uma voz que soletra o impossível - abranda um impulso das estranhas. Escamo a pele até que o fumo invada a minha traqueia e eu me sinta perante o indizível" (p. 14). Referirmo-nos, por conseguinte, às sequências de experiências “irresolúveis”. De facto, as fórmulas esmagam-nos. Pensar com propriedade é difícil e demorado. E não nos julgamos no dever de dizer tudo: (in)comunicar.

desterritorialização e máquina humana

Trata-se, realmente, de uma escrita do orgânico e do aberto (à luz do corpo-pulsão e do psiquismo-representação). Mas não se trata de invocar o corpo-ser mutante e a escrita-palimpsesto - tudo o que concerne ao dictamem obscuro - a acentuação da poesia enquanto voz do impossível - o outro - indizível e intransferível .“Habitar o que não é habitável e deixar a lareira expandir-se, queimar a casa, arder todos os meus livros, todas as minhas recordações, todas as minhas cadeias, num exercício anti-poder que me liberte para o que não existe” (p. 9-10).Poderíamos falar de uma escrita centrada sobre a desterritorialização. Onde o que importa reter é uma palavra-chave: a máquina viva (auto-organizada). “Insisto na máquina humana. Desejo depô-la, deitá-la ao lixo, procurar o limbo incolor na fome do corpo, deitá-la fora e abrir as minhas costelas à procura de um outro coração que respire, com um suor mais vaporoso e uma forma aberta à imprecisão de tudo” (p. 9).

códigos da biologia

A força atractiva da poética de Carlos Vinagre evidencia-se de modo particular pela sua referência aos códigos da biologia. Que sentido tem (e ainda tem) falar da máquina neuronal que nos “distingue” do animal? Como se elabora o pensamento abstracto que nos caracteriza? Que significa o cérebro como um sistema auto-programado? Que relação poderá existir entre os objectos mentais procedentes do real e os chamados objectos mentais fictícios, inventados, imaginados? Encontramos aqui enunciada a questão do não-redutivo - as bifurcações do aberto - os quantas (Erwin Schrodinger). Assim, da noção primeira do não-linear (discontínuo), passamos a estoutra, mais precisa, de pseudo-aleatório (fractal). Compreende-se assim que a nova ciência fale mesmo de bifurcações, leis de escala, caos, atractores estranhos, intermitências. Fica assim expressa a démarche característica da escrita de Carlos Vinagre: a sua configuração paradoxal. Que aglutina e polariza em torno de si - numa escrita condensada e abreviada - uma série de questões pertinentes que parecem concentrar-se gradualmente à volta das noções de da ordem e da desordem - das com(dis)junções – dos imputs e dos outputs sensoriais. “os paradoxos são cruciais pela antevisão da/manhã./Por esta óptica adquiro uma transparência/ vulnerável, talvez uma ética./não é retalho. Ao dobrar de cada rua, ao bater,/alimentado pela ranhura das nuvens, outra busca” (p. 17).

Err(transum)ância

Importa, no entanto, ter em atenção que, neste poemário, a linguagem não é a “casa do ser” (Martin Heidegger) mas o lugar de uma metamorfose itinerante. De facto é lícito supor que ser, é ser nomeável. Conjuga-se assim o anúncio da err(transum)ância. “Não quero restar. Prefiro a convulsão, ser escutado pelo mundo, a minha língua é traída pelo verbo… Abisma-se a negritude das coisas. Quero abrir o tórax ao universo, despedaça-lo, ser escutado pelo sonho. Desejo a incomunicação” (p. 33). Ponto de partida e eixo fulcral é, prém, a negação das teorias do news-making - do “já dado” informacional - tendo em conta que a poesia surge-nos como transe (do latim transire = passar), “sagesse”, abertura (sináptica) para a visão (as experiências visionárias).

Bar Olimpo - Porto, 7 de Março de 2011

Alexandre Teixeira Mendes

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

NOS CONFINS DO IRRESOLÚVEL

1.

sobre os arcos do disforme - ante a figura que se esvai - a cerrada pupila -

o tudo-nada - onde se descortina - deus e o diabo - a nave - pedra do inábil -


2.

nos confins do irresolúvel - o frémito dos mapas do desconforme - a luz reflectida -

saber-me nas imagens inverosímeis - desenhos do indecifrável - o cavalete do aéreo -

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

"MÉNAGE À TROIS"

- da “urbs” à discursificação da vida quotidiana


Podemos indagar-nos sobre a travessia da escrita de Zé Pinto Leite, Pedro de Andrade e José Soares Martins - a poética comum de “Ménage à trois” (Cordão da Leitura, Porto, 2011), visando fixar, ao mesmo tempo, o continuum das suas marcas inter-textuais, tropológicas. Os livros aqui agrupados – “Jardim das Delícias”, “Poesia Sociológica ou Poesia em Directo” e “Alquimias” - tríptico de três philoi (amigos) - coloca em evidência o sentido (com)partilhado das palavras-chave ou visões encadeadas - a corporizar uma dinâmica (inter)textual -(multi)referencial. Temos aqui bem patenteado um acervo de práticas poéticas associadas à contracultura e, portanto, o desencanto (na cultura de crise). Parte-se de um universo discursivo marcado pela tensão expressiva e simbólica do real (na conexão com a experiência quotidiana). No primado das incrições sócio-ideológicas - este conjunto de poemas (diferenciados ou diferenciantes) privilegiam um vocabulário não-canônico - imprevisível - toda uma gama de tópicos críticos-em-acto e lírico-sentimentais.

paráfrase romântica e híbrida

Falámos dos pressupostos básicos de uma poética do singular-plural - de rupturas e derivas - a veicular (total ou parcialmente): 1) uma discursificação da vida quotidiana; 2) uma irreverência ou “pour cause” uma “revêrie” política (que envolve o experimento adicional de reflexão sociológica); 3) um mundo visionário ou trans-versal (que condensa a desconstrução ou a paráfrase romântica). No seu registro híbrido - mas também contaminação de géneros - torna-se visível o jogo de figuração e ficcionalização do eu (correlativa indecibilidade). As referências culturais são diversas e vão desde as obras de certos contestários yippies e poetas americanos - Allen Ginsberg, Gregory Corso e Lawrence Ferllinghetti -, à poesia romântica inglesa, Brecht e Maiakovski, e ainda a conceituação sociológica e o seu enfoque intra-ideológico (activista).

psicadelia e nomadismo

“O Jardim das Delícias”de Zé Pinto Leite, título roubado a uma obra árabe do século XIV, surge-nos marcada pela contracultura - os insights da psicadelia - a visão errática e nómada do mundo. Todavia uma poética da “urbs” que - nas suas conexões ou registros especulares - surge-nos ancorada na pulsão - o transbordamento pulsional - e, por conseguinte, a alquimia e a imaginação activa. Assim:

à descoberta
do eu realidade-imagem
do tempo alquímico (p.55)

Convém fazer referência - em sentido lato e algo impróprio - a um conjunto de textos (como uma valência eclética, codificação múltipla ou até sobre-codificação) onde se cruzam, em última análise, o pastiche e a citação “beat generation”. Em que a diferença reside na máxima operância de uma poética com base no carácter expansivo e aventuroso da arte. Zé Pinto Leite re-equaciona, repetidas vezes, a experiência do sensível - a partir justamente dum apego perceptivo ou, se quisermos, cognitivo-visionário (em consonância estrita com os mantras, o zen-budismo, a vagabundagem e o beatífico - na aproximação a Kerouac). Existe efectivamente uma demanda poética sob o signo da performance - a evenemencialidade da linguagem - os dispositivos pulsionais. Um poemário que nos remete, pois, aos arcanos do experiencial - o hiper-real - o “pathos” decadentista. E isto a partir de um universo discursivo marcado pela instância psicodélica-catárquica - a tensão expressiva e simbólica – a língua como desejo - inflexão inusitada.

sociologia e activismo

Em “Poesia Sociológica ou Poesia em Directo” de Pedro de Andrade a microsociologia torna-se inspiração: desdobramento autónomo de um discurso crítico das práticas sociais. Aqui se combinam as reflexões em torno do poder e do establishment (a sociedade móbil, onde o homem surge-nos votado a ser consumidor-usuário). O que é característico da realidade social é que - em rigor - não se pode reduzir a uma simples soma de disposições ou de manifestações individuais. Depreende-se que a tentativa sociológica manifesta-se igualmente quando esta mostra todos os condicionamentos sociais geradores de evidências. O poeta não é inimigo do homo sociologicus. De resto, a poesia revela-se, por sua própria natureza, uma outra versão da errância - da sub-versão política e ideológica - enquanto corolário do confronto com o horizonte pré-dado - abertura para a visão (as chamadas experiências visionárias) e a história (mundo). Delineia-se, desta forma, uma escrita que amplia a denúncia do grande supermercado universal - das políticas neo-conservadoras - e que contribui, portanto, para afirmar a ideologia-realidade da contestação (apocalíptica). Há certos elementos que definem o actual processo social - marcado pela super-programação - o descontentamento e o niilismo - onde impera: 1) a necessidade artificial; 2) a usura planificada; 3) a apatia e o conformismo das massas; 4) a depressão. Noutros termos: 5) os bloqueios e as discriminações; 6) o medo e a impotência política; 7) o cinismo ineficaz e o culto do “rei dinheiro” (nas derivações do capitalismo financeiro).

Nesta política somos todos celebrados
Logo, pró-escritos
Logo, prescritos

Nesta cultura, somos todos adiados
Logo, re-escritos
Logo, rescritos (p. 96)

A poesia de Pedro Andrade alude ao “infinito da negação”- convida ao activismo político - o utopismo revolucionário. Surge-nos comprometida com o planfetarismo - na formulação e fixação de representações (ou melhor: de leituras) do texto social. Ademais depreciativa e fustigadora do poder e dos seus símbolos - repressores ideológicos. Na primazia da revolta e da desobediência civil - do “différend” - evoca Maiakovski e, sobretudo, Brecht. Nele se passeia a figura do anarca, indivíduo rebelde.

lirismo sentimental

“Alquimias” de José Soares Martins re-assume a aura romântica. Poderíamos falar de uma poética da catarse (sob o influxo das visões, dos sentimentos e das iluminações rimbaudianas). Trata-se, pois, de um poemário onde se increve (de forma directa, imediata) um transbordamento pulsional (onde se exorciza a configuração amorosa). A primazia pertence, por isso mesmo, à ordem contingente de um lirismo sentimental (tendo mesmo em conta a sua filiação romântica inglesa ou, ainda, alemã). Lembramos o élan interior destes poemas onde se toma em consideração a carência e a plenitude do “sentido” – o homo viator - as alquimias e as moradas do “sentir”:

Falaste-me do destino dos erros vários
Que nos nossos passos se engendravam
Chovia e a minha alma dolorida
Abria-se às águas da Primavera
Recordei Mântua essa noite de chuva
Com Leopardi debaixo do braço
E uma solidão enorme espelhada
Nas mil e uma janelas do palácio de San Giogio (p. 107)

Pode dizer-se, contudo, que estes poemas nos remetem a um tipo de escrita erudita - cujos maîtres á lire são Shelley e Keats, Pessoa e Hölderlin, Ginsberg e Bowles. Um discurso (tran)sensorial - da desmedida do ser - da verdade do amor como embriaguez e transgressão (em que os protagonistas são o corpo e as vicissitudes do desejo).

carpe diem e hybris trágica

Não há dúvida de que o forte pendor intimista - existencial - da poética de José Soares Martins revela-nos uma escrita onde se põe em relevo a magia e a transmutação (sob o prisma da voz do outro - a retoma do intertexto cultural - a hybris trágica). O impacto desta poesia parece estar na sua marca híbrida, mescla peculiar de transgressão - como um regime compulsivo - de rigorismo - mestria. O que salta à vista é, acima de tudo, o seu lirismo - no fluxo de um idioma sumptuoso - selectivo - (um) a explícita melancolia. Tende portanto, nestas condições, à confirmação (ou refutação) emocional das possibilidades excessivas - à acedia - o carpe diem. Também de denúncia do inumano cuja marca indelével foi a experiência da barbárie nazi que atingiu o seu paroxismo na apoteose do horror de Auschwitz. Um exemplo apenas:

Silêncio. Igual ao de Auschwitz.
Silêncio no comboio da Europa
Que percorre os carris na noite de todas
as insónias
na noite em que me beijas
como a serpente do paraíso… (p. 121)

Alexandre Teixeira Mendes

Livraria Bertrand Dolce Vita
Porto, 18 de Fevereiro de 2012

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

SAGACIDADE DO DESERTO - RESPLENDOR DA LUZ

1.

Onde o inciso - sob a lâmina do irreverente -

A parca desmesura - da imagem intermitente -

Brônquios - que retive - nesse corpo imóvel -

2.

A nuvem do inexorável - que assoma - na retina -

Resplendor da luz - mente recôndita - inacessível -

Pedra dúctil - mapa-múndi - sagacidade do deserto -

3.

Perscrutei as fotos - do incessante - diante das águas -

Acostumei-me à lente nublada - a insistência do branco -

Signo que se extingue - prima facie - desígnio do imerso -

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

DO SENTIR, DA EXCEPÇÃO FEMININA



Do sentir, da excepção feminina

O livro de estreia de Antonieta Barros “Sons da Alma” (Culture Print, Porto, Janeiro 2012) reveste uma indiscutível força poética. Podemos (devemos aliás) afirmar que o que aflora nesta escrita, em extensão e profundidade, é o seu fulcro confessional - enquanto veículo terapêutico-existencial - que oscila entre o catártico e o sublimador. Trata-se, pois, de um livro onde se increve (de forma directa, imediata) um transbordamento pulsional, o próprio eclodir de um corpo seminal (onde se exorciza a configuração amorosa e as suas projecções fantasmáticas).

vicissitudes do desejo

Poderíamos falar ainda, porém, numa poética do dionisismo e da auto-reflexão ou, pelo menos, de uma escrita do “acolhimento” e da “plenitude” - a restabelecer ou a inverter as cogitações da razão e dos sentidos. O carácter prosaico e convencional encontra-se assim assente num erotismo transferencial e (in)contido. Um erotismo que, antes de tudo, refere-se à prevalência de um corpo sexuado ou retenção das vicissitudes (metamorfoses) do desejo: as emoções e os afectos.

(intro)projecções

Todavia, a celebração do amor (signo do impossível) e, no entanto, da introspecção e do sentir (interior, singular, subjectivo, privado) em Antonieta Barros é particularmente importante. Pretendemos assim mostrar a relevância do "inominável" da paixão. É de resto absolutamente certo dizer-se que o que domina (preliminarmente) esta linguagem são os desvãos e os subsolos de um mundo psíquico. Curiosamente uma escrita das (intro)projecções, que reflecte experiências já prefiguradas: l`amour fou.

(semi)dizer

Traço-voz- sons da alma - como pré-requisito. Escrita-una do mundo, mas também viagem sentimental - rastro da totalidade - lógica subtil e impenetrável - em que o descontínuo substitui o contínuo. O que começara como uma escrita-gozo - de forte pendor romântico-intimista - , torna-se a versão de um discurso da alma (Psichê) entre Eros e Ananké. Remete-nos, como sabemos, aos recursos de um (semi)dizer - ao simbolismo do si-mesmo - a uma demanda (que jorra à altura da (com)pulsão erótica). E aqui, mais uma vez, um léxico e uma matéria verbal de auto-implicação - afectiva-emotiva - que emana do inconsciente pessoal e do inconsciente sobrepessoal ou colectivo.

corporeidade e (in)consciente

Em “Sons da Alma” reproduzem-se as disposições ou os devaneios de um discurso singular. Um exemplo da vida escrita - (in)apreensível - enquanto privilégio do emocional sobre o cognitivo. Antes, põe em cena a corporeidade e o (in)consciente: a clivagem amorosa. Não é difícil notar que a intensificação de traços flutuantes - em que o feminino resume todas as formas e mistérios da natureza - é, por sinal, uma intensificação de conteúdos arquétipos da alma humana. O autêntico mergulho na matéria que somos - pôde escrever Jean-Yves Leloup - devolve-nos a alma e, também, a essência. Não podemos separar o que a própria vida uniu: o corpo, a alma e o espírito.


ansiedade existencial

Dá-se, assim, neste livro de Antonieta Barros, o enlace entre o corpo e a alma, a assinatura do mundo. Aqui se revisitam os simulacros do sentir e do sensível - o real da (a)língua - esse desejo de "outrem". Da cegueira do olhar à fantasia - o gozo em excesso ou suplementar - que permanece para além do símbolo - substancializado na prosa. Trata-se simplesmente, como já mencionámos, de um conjunto de textos auto-biográficos - signos - exercícios da escrita - propensos a uma certa unidade - estruturados - letra a letra - por camadas de (in)dizível. E em que o “eu” é veiculado, sem omissões, incorporando a vida significativa, a ansiedade existencial, a intencionalidade poética.

auto-análise

A peculiaridade, decorrente desta escrita, é o seu forte pendor intimista - de acesso ao mundo - que desponta, por conseguinte, num corpo libidinal, evocativo ou não-evocativo, psíquico e de transgressão, sublimado ou não, irredutível. É simplesmente a admissão e o reconhecimento, porém, de uma poética (texto/relato) comprometida com a auto-análise (nossa capacidade de ver e conhecer - com
discernimento - em bases "prismáticas"). E em que essa praticabilidade e conveniência da auto-análise poderia bastar - se o único objectivo do livro de Antonieta Barros fosse o conhecimento de si próprio. Só que a dificuldade crucial da autoanálise - para retomar um pressuposto de Karen Horney - está nos factores emocionais que nos deixam cegos ante as forças inconscientes.

lirismo sentimental

O corpus destas 59 incursões - na sua ressonãncia emotiva e encantatória de carta-endereço - intensa e passional - surge-nos como emblema da sublimação e da efusão sentimental. Textos inextricavelmente (inter)ligados - enquanto concretude dia(mono)lógica - e, portanto, vinculados à imediatez de um discurso cujo “modus operandi” é um pôr em acção a própria emoção. Parte-se do exemplo de uma textualidade - longe dos estereótipos - cuja primazia pertence, por isso mesmo, aos sentimentos, a paixão, a emoção (tudo isso na ordem contingente de um lirismo sentimental).

“daimon”

Poderíamos re-equacionar - talvez em vão - a experiência do sensível a partir justamente dum corpo linguagem ou, se quisermos, dum corpo simbólico, corpo esse que, também ele, tende a tornar-se sentido? Deste modo um corpo - nos seus sintomas e somatizações - e traços significantes - sublimatório? De facto, o corpo como memória - “daimon” - espaço invisível, afectivo ou emotivo, aquém da linguagem, seriam categorias apropriadas para definir o fulcro prosódico de Antonieta Barros. Marca indizível ou inefável - , onde se concentra e exacerba, de maneira exemplar, o desdobramento multifacetado de um eu - o visível da demanda em direcção ao invisível do desejo - os sons e as sugestões visuais - a excepção feminina.


(inter)dependência

É necessário acrescentar que a feminilidade - o ser do feminino - recebeu - desde sempre - sua definição canônica na maternidade. Essa é, porém, uma parte da história, e não a mais importante. Até porque poderíamos avançar a hipótese da existência de uma mitologia social baseada na presunção de que o mundo exterior estava reservado ao homem, o interior à mulher- se bem que a noção da interdependência - em todas as actividades humanas - seja um dado padrão. Mas é essa "nuance" entre "tornar-se mulher" e "re-tornar-se mulher", a que Freud deu tanta ênfase, que é crucialmente importante. Seria errôneo, porém, diminuir a importância da história exemplar de Tirésias. Na tentativa, porém, de desvendar o gozo feminino - o segredo do seu sexo - coube-lhe ser anatomicamente metamorfoseado em mulher durante sete anos. Descobriu, em particular, que a mulher encontra no amor um prazer dez vezes maior que o homem.

Alexandre Teixeira Mendes


Porto, 26 de Janeiro de 2012


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

TRAÇO INÁBIL - PARA O ABISMO -

cuidar dos desenhos - e ser a matéria - intransigente - a campânula de pedra - na persistência - deste traço - inábil - para o abismo - não ter casa - morrer no estuário - sobre a luz - recôndita - ignorar a coerência - do êxtasse - as nuvens - do inapropriado -

domingo, 15 de janeiro de 2012

DEVASTE - AMPOLAS DO DESERTO -

- O MAR E AS RIMAS DO EXACTO

nada além - das cercas - a derradeira luz - o mar e as rimas do exacto -

as ampolas do deserto - na noite - lençol do devaste - abat-jour - mapas -

dias que perdi - orvalho - ténue - frémito da voz - sobre o imponderável -

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

DISTINGUOS DO OBSCURO - HERMÉTICO -

sob a irreparável elegia - cuidar da evasão - os presságios - voz repercutida do inerte -

súbita a luz remota do desvario - pedra exacerbada - distinguos do obscuro - hermético -

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

VOZ DA INSÂNIA - TÁCITO FULGOR -

transpondo a voz da insânia - sobre os mapas - o mar de granito - recomeçado - insaciada mente - tácito fulgor - do inominável -

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

JOANA A LOUCA, VOZ DO DESENGANO

ante a insistência de joana a louca - fixei a pedra - medusa - a lâmina - sob a voz do desengano - renunciei à cegueira - do aéreo - obscura palavra - do malogro - editio princeps ? -

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

TOURO QUEDO - NUVENS DO OBLÍQUO -

como esquecer - o não-dito - meu touro quedo - imóvel - a pedra no ar - o sal e o escuro mar -

perpetuar o grito - veeemência da voz - loquaz - lento narrar - monólogo virgem - puro exórdio -

do deserto - chama húmida - ilha recomeçada - lava - sob os mapas do anónimo - céu do reverso -

resgatar o incessante - corpo - luz - desnuda - torpor - da mente dúplice - as nuvens do oblíquo -

vasta e cega argúcia - do desvaste - sarça ardente - palavra velame - som do recôndito -umbral -