sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO - POETA DA "URBS"

Activismo, Pulsão e Ebriedade

António Pedro Ribeiro (Porto, Maio de 1968) restaurou o antigo hábito dos “rapsodos” e dos “menesteres”, levando a poesia de lugar em lugar. Em suas andanças revelou-se o poeta da catarse que tem o mérito de trazer à superfície o traço do gozo perdido que só pode ser reencontrado no excesso, no gozo suplementar que se faz suporte da fantasia, receptáculo da causa do desejo. A sua escrita - performance - surge-nos imbuída de um pendor activista. Também aqui uma poesia - enquanto veículo terapêutico-existencial - (mega)político – que oscila entre o catártico e o des-construtor. Poderíamos mesmo falar de uma poética metropolitana: da “urbs”. Trata-se, pois, de uma obra “engajada” - das intro(pro)jecções - ancorada na existência livre de limites ou a paixão de uma liberdade impossível - que denuncia o “vazio” do mundo.

Dicção coloquial quotidiana

A dicção coloquial quotidiana é bastante óbvia no caso de António Pedro Ribeiro. Nos antípodas do bucolismo e da tradição lírica-discursiva - da escrita “sublime” ou "transcendental" - assiste-se em "Café Paraíso" (Editorial Bairro dos Livros, Culture Print, Porto, 2011) - o seu último livro - de forma directa, imediata, - ao próprio eclodir de um corpo-próprio seminal (onde se exorciza a configuração amorosa e suas projecções fantasmáticas). Uma vez mais esta poemática - cênica - tende ao transbordamento pulsional - na confirmação (ou refutação) emocional das possibilidades excessivas. Mas em que a denúncia da dominação do império conjunto - formado pelo poder técnico e a razão económica pura - é um ponto de partida metodológico.

Infinito da negação

Donde acaba o crítico e começa o panfletário, o extraviado ou simplesmente o instintual? O planfletarismo é em António Pedro Ribeiro inspiração: acesso ao optimismo revolucionário (frente à democracia “estabelecida”, “instalada” ou “mercantilista”). Pode dizer-se, contudo, que a sua poesia - cívico-ética - remete-nos ao “infinito da negação”. Assente num discurso do desejo (de eros) que caracteriza a poesia de Allen Ginsberg ou de William Blake - torna-se demanda de “novatio” - um re-assumir do "desencanto" do mundo. Na primazia da dialéctica da revolta e da desobediência civil - do “différend” - acentua a dominante da “teoria crítica” (Reich-Marcuse), do "visionarismo" de Agostinho da Silva e, sobretudo, da “gaia ciência” de Nietzsche. Na sua poesia - desde o início - o protagonista são as três estruturas do “impossível”: política, amor e arte. “Riso soberano”: eis aqui a novidade de categoria muito significativa. É importante ressaltar ainda o privilégio da escrita automática - que nos autoriza a falar da pulsão pura - e enquanto veículo de uma “auto-biografia” ou trama “psico-biográfico”:

escrevemos sobre nós próprios
estamos sempre
a escrever sobre nós próprios
nada há a fazer
desenvolvemos este estilo
é claro que também
nos referimos aos outros
à televisão omnipresente
às riquezas
ao cacau
mas estamos sempre
a falar de nós próprios
num monólogo sem fim
é isto a vida
é isto a escrita
e é isto que sobra
de um dia de tédio (p. 77-78)

Id dionisíaco

Nesta obra perpassa – como dissemos antes - a vida escrita - os impasses do escrever. O que entendo aqui por exortação à libertação do "id" dioníaco. Não é difícil notar o seu apego à insânia - pathos da loucura - ou o privilégio do êxtasse e da ebriedade. Porque “Cerveja-matéria prima do poema” (p.34). Seria possível falar da afinidade entre o tipo de poética de António Pedro Ribeiro com a geração “beat”: a psicadelia e a contracultura. De facto, desde o início das suas “démarches”, António Pedro Ribeiro procurou ampliar e fortalecer o activismo político enfatizando a dimensão da ebriedade - contra a razão e a administração da vida – unindo-se a Rimbaud e Nietzsche. Mas é Raoul Vaneigem de “Arte de Viver para a Geração Nova” e o mercado pariense de ideias que oferece ao poeta um modelo: o da lição situacionista (de uma existência liberta do gregarismo e da massificação). Para António Pedro Ribeiro a ebriedade tem também a sua forma e a sua figura:


Bebo cervejas no inferno
Mas quero o paraíso
de volta (p.30)

Excesso e transgressão

Em “Café Paraíso” re-equaciona-se a experiência do sensível - a partir justamente dum apego visionário - que revela e permite ser - ou, se quisermos, dum corpo linguagem (de articulação lógica-prosaica). Deste modo um corpo dionísiaco enquanto corpo pulsional - nos seus sintomas e somatizações – transferência e traço significante, excesso e transgressão. Nesta sua escrita concentra-se e exacerba-se, de maneira exemplar, uma poética catártica, em que, por sinal, a corporeidade, o estofo do ser, como diria Merleau Ponty, está prenhe de significado. Aqui o eterno existe no efémero, mas o contingente anseia e clama pelo absoluto:

procuro a eternidade
do instante
não me adaptei à vida burguesa
às conversas do senso comum
à vulgaridade do intelecto (p84)


Trata-se de uma poesia (composta de palavras-chave no sentido estrito) que enaltece a auto-reflexão: é daí que tempos de partir. Em que há também um estranho exercício crítico em torno da sociedade autoritária “unidimensional”. Por fim, o questionamento dum mundo dominado por critérios de eficiência e sucesso e, por conseguinte, assente na “auto-escravização” do humano.

Iconoclastia e irreverência

O conjunto dos poemas de António Pedro Ribeiro exibem, em seu contexto de significação original, um forte pendor ideológico - enquanto propensão crítica do capitalismo avançado e, por conseguinte, da desmontagem das falsas boas intenções burguesas. Ademais depreciativa e fustigadora do poder e dos seus símbolos - neoburocracias, comissários e aparelhos repressores ideológicos - vícios públicos, virtudes privadas. Insistimos: trata-se de uma escrita psico-emocional - como fragmentos de uma auto-biografia. Poderíamos dizer que neste poemário - nos passos do “politically incorrect” - perpassa a questão da hybris, desmedida do ser, da verdade da poesia como embriaguez e transgressão. Outro exemplo notável de uma poética da iconoclastia e da irreverência ou “pour cause” da “reverie” política ( tipo marxista pós-moderno - na exigência da auto-gestão emancipalista).

Café-Bar Olimpo Porto, 21 de Dezembro de 2011

Alexandre Teixeira Mendes

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

"SCINTILLA ANIMAE"

“Saltus Sublimis”

Teremos de admitir a hipótese de incluir Alma (Psichê) e Amor (Eros) numa única “mot (palavra) valise”. O mito de Psichê narrado no livro O “Asno de Ouro” de Apuleio (125-170 d.c.) - refere-se justamente a uma bela mortal por quem Eros, o deus do amor, se apaixonou. Chegamos, aqui, à questão de Eros em Psichê e Psichê em Eros - o Jogo e a Criação - o “Saltus Sublimis”. Daí decorre a Escrita do “Caos-Cosmo” - ainda uma vez “Psi”-"Emersa" no “Dictamen Obscuro”. A assinatura do Mundo - Eros - o seu “Semi-Dizer” - “apex mentis” ou - no dizer de Mestre Eckart – “scintilla animae”.

Pulsão sexual

Pode-se, portanto, dizer, que Eros - força da vida - tornou-se uma parte de Psichê. Mas onde vemos, por conseguinte, que o aparelho psíquico integrou, pois, Eros - que - no entender de S. Freud - "mantém unido tudo o que existe no mundo”. É, pois, de considerar - na formulação “standart” da psicologia analítica - a função sexual e o seu expoente - a libido – como base do que conhecemos de Eros. Falamos, conforme se pressume, do traço de união somatopsíquico e, portanto, histórico, em que a dinâmica sexual seria inseparável da temporalidade. Tome-se como exemplo – como nos diz André Green – o vórtice Eros - que “desempenha então a função paradoxal de ser, ao mesmo tempo, uma abstração e aquilo que permite que se represente a pulsão sexual encarnada nas figuras em que, simultaneamente, se revela e se dissimula” (Les Chaînes d`Eros – Actualité du sexuel). Constatamos, pois, que a concepção exposta da libido que está sempre activa deriva de Freud. Mais importante ainda foi a concepção bioenergética da mente. Podemos permitir-nos, neste contexto, falar – segunda a expressão aristotélica - da dynamis, “energia potencial” (de deina, “penetrar em”) e da energeia, “energia em acto” (de ergon, “trabalho”). Trata-se também aqui de assinalar, explícita e implícitamente, o núcleo indivisível da psicanálise: Eros e as pulsões de destruição (Thanathos).

Alta tecnologia, "dominium"

Convém, no entanto, ter presente o papel decisivo aqui desempenhado pelo teoria da unidade físico-psico-espiritual do homem - segundo a concepção aristotélica-tomista - que ganhou na ciência psicoterapêutica moderna novo significado. Assim, pois, no quadro da con(di)vergência de pontos de vista quanto à natureza da alma (psichê) e do amor (eros), a noção já expressa da lógica humana demoníaca tem um carácter costumeiro, tradicional. Comecemos do princípio: lembramos que o diabo é, pois, - segundo C. G. Jung - uma variante do arquétipo da sombra, isto é, do aspecto perigoso do reverso não reconhecido da alma humana (Acerca da Psicologia do Insconciente, Lisboa, 1967, p. 116). Vale a pena, porém, reter que a revolução industrial destruiu progressivamente a ideia de universo sagrado. Ainda aqui a religião tornou-se assunto entre o homem e Deus (de maneira a pôr em evidência o aspecto ético-legal). Mas é igualmente justo assinalar que a ciência tomou o cosmos para si - e neste caso metamorfoseou-se em advento da alta tecnologia ("marca" - segundo Heidegger - do destino ocidental) enquanto ponto culminante da dominação (precisamente a "catástrofe"). Essa racionalidade que se exprime na liquidação de homem e da terra pela grande indústria e potência militar, caracteriza, pois, toda a sociedade moderna baseada na mobilização (traduziu-se, por exemplo, numa sucessão - como assinalou Henri Laborit - de servomecanismos hierarquizados). Exprime-se, como já tivemos ocasião de ver, na expansão (planetização) industrial - surgimento de megalópoles - e na defesa da permanente inovação - a diferenciação - enquanto herança e dogma da modernidade. Partiu-se - notar-se-á - do pressuposto que toda a comunicação deveria ser explícita e pública - na própria sujeição da palavra enquanto persuassão pública - em lugar de ser expressão privada - relação com o “dominium” - a política.

Gnosis

Podemos fixar a nossa atenção, por um momento, no processo descrito como exploração da alma (psichê) que se tornou - explicitamente - no contexto do ensinamento gnóstico - uma demanda espiritual-religiosa. Analisa-se ou concebe-se o nomear adâmico - remetendo ao saber esotérico - o corpo e a voz associada à terra - as palavras não-escritas. Considerando, portanto, a prossecução do "auto-conhecimento" (enquanto chave -directa ou indirecta - da compreensão das verdades universais - da palavra perdida - e que permanece representada pela "intuição"). Mas (seja qual for o nosso caminho) a via solitária e interior da "gnosis" envolve - aparentemente - o reconhecimento das "forças alucinatórias" do conjunto da fé que implica o "divino" - a demonologia das origens , "satã".

Religião da natureza e da salvação

Trata-se, portanto, de analisar aqui o que há de típico no significado da adoração ou o ateísmo da revolta (num tempo em que a religião - à sua maneira - se metamorfoseou progressivamente em "ética"). A todo o instante perguntamo-nos se é equívoco referir o duplo paralelismo entre a religião e o erotismo, inclusive - como tenta mostrar Walter Schubart - o da continuidade entre o eros procriador e o êxtasse criador, e da dialéctica do eros redentor e da religião da salvação . Podemos analisar aqui o que há de tensional - círculo vicioso - na religião da natureza (centrada no parto e na maternidade através da devoção- criação) com a religião da salvação (incorporando a criatura separada do seio materno e, no caso, remetendo-nos à nostalgia da origem).

Lirismo cortês e catarismo

Constamos, pois, que a Provença foi o ponto de partida de um movimento erótico que inspirou a poesia dos trovadores e a espiritualidade franciscana. Nesta vaga erótica, o culto de Maria desempenhou um papel muito importante - porquanto - como indicou Walter Schubart - a ideia matriarcal cede passagem a um culto romanesco da mulher que não se enraíza mais na experiência do êxtasse criador. Antes de explorarmos, porém, as implicações do "trobar clus" - com a poética hispano-arábe ou hispano-judaica, devemos examinar ainda que rapidamente, alguns dos argumentos que foram usados, ou poderiam ser, para justificar a tese cátara. Graças, em grande parte, à obra hermenêutica (desocultadora) de Eugéne Aroux, Sâr Péladan, Sampaio Bruno, Teixeira Rego ou Otto Rahn, essa teorias começaram a ser compreendidas, pela primeira vez, durante a II Guerra Mundial. Seus proponentes não hesitaram em fazer notar que o lirismo cortês foi inspirado pela atmosfera religiosa do catarismo. Dennis de Rougemont em “L`Amour et L` Occident” (1939) referiu-se ao profundo vínculo entre cátaros e trovadores (onde se faz ressaltar a lógica conjunta do erotismo provençal - se se considera o amor galante - as forças e os valores femininos). Subjacente à nova poética trovadoresca - nascida na França do Midi - pátria cátara - assente na celebração da cortesia e no culto do amor (contra o casamento) - os Fiéis de Amor - surge-nos - com efeito - uma nova categorização da mulher inseparável do grande modelo ocidental da linguagem do "amor-paixão". Assim, passou-se progressivamente desse impulso fundamental em torno de "a puela"- a jovem solteira (adolescente) - para "domina" (senhora). O provençalismo que nos é apresentado poderia ser definido como a primeira corrente literária galego-portuguesa - que utilizou - seguindo as pegadas da língua d' oc - todos os recursos técnicos disponíveis. Parece, com efeito, que a cultura trovadoresca - a "gaya sciência" - na consagração de uma escola do livre pensar nas cortes provençais - segundo Luís Espírito Santo - está indissoluvelmente ligada à crença na força libertadora do erotismo. Na (con) celebração da paixão extra-conjugal - adulterina - onde se colocava o assento - não sem consequências - na incompatibilidade entre o amor e o matrimónio - vislumbra-se a doutrina cátara (apoiada principalmente na referência dual ao mundo invisível - divino - e visível - diabólico). Parte-se portanto do Amor (Roma às avessas), anti-Roma. Algum significado pode também ser atribuído à ligação de D. Diniz - rei e poeta frequentemente obsidiado por imagens eróticas - aos templários: o culto do "Evangelho Eterno" e do Espírito Santo.

Psicodélia

A experiência psicodélica - habitualmente caracterizada pela percepção de aspectos da mente anteriormente desconhecidos, inusitados ou pela exuberância criativa livre de obstáculos - exerceu papel saliente no quadro das tradições arcaicas. Parece haver indícios veementes de que a êxtasse e a ebriedade tinham suas formas e suas figuras. É aqui que entra em jogo a via amorosa ou erótica, a via dos mistérios, a via profética e a via poética (já em grande parte focalizados por Platão). A verdade enquanto visão ou escuta, por si só, bastaria para aludir ao “voo da alma”. Provavelmente o exemplo mais claro - tradicionalmente minimizado - se encontra nos Mistérios de Elêusis (que se baseavam em ritos religiosos dedicados à Deméter e sua filha Perséfone). Imperadores, artistas, filósofos, poetas - conquanto todo o tipo de gente - passaram pelo seu "telesterion" (grande salão construído para rituais de iniciação). Para a compreensão da natureza real dessas cerimónias torna-se necessário considerar certas doutrinas, que sob a forma de mito, o teatro sagrado e a poesia, integravam um viático específico de modificação da consciência (na prioridade dada às substâncias visionárias). Poder-se-ia aludir à renovação da vida, a integração da vida e da morte no próprio projecto divino, a abertura ao espírito e a finitude.

"Ubíquo vento", ruach

O papel primordial, na mística judaica, da vida sensível - a criação (poiesis) comum à divindade e ao homem - o fulcro simultâneo do humano com o mais-do-que-humano - revela-se claramente ainda maior, se se considera a importância da hipóstase feminil de Deus (schekkiná). Poderemos distinguir de modo preliminar, no modelo cabalístico, a criação, revelação e providência, ou - como propõe Moshe Idel - os vasos que medeiam a presença do divino nos domínios do extradivino. No "Zohar - O Livro do Esplendor" - chama-se a atenção - com toda a evidência - para o facto de a união entre os humanos e Deus ser melhor efectuada por meio da "respiração". Aceita-se, pois, que "o sopro de Deus" impregna toda a natureza. Pode-se mesmo dizer que é o "ubíquo vento" ou o "espírito" - "ruach" - que dá vida ao mundo sensível. De notar que a cabala - como anota Maurice Ruben Hayoun - pretende ser simultâneamente uma física (poética) e uma metafísica: esta visão do universo concebe seres vivos como membros do cosmos.

Yin/Yan - Animus/Anima

A doutrina clássica chinesa parte do reconhecimento - e isto é notável - tendo em conta as chamadas neuro-ciências actualmente em voga - de que somos máquinas eléctricas e vivemos num vasto campo eléctrico e electromagnético. Podemos hoje acrescentar a nossa estrutura genética, nomeadamente a neural, que determina o essencial do que somos. A questão que propomos considerar aponta todavia para um ponto essencial - donde parte a acupunctura chinesa - é a de que há, pois, necessariamente correspondência exacta entre os ritmos biológicos e os ritmos cósmicos - principalmente, os do sol e os da lua. A própria ordem do mundo - tao - assenta - nesta casuística - no equilíbrio entre o elemento frio, sombrio e feminino - o yin - corrente ascendente - e o elemento quente, solar e masculino - o yang - corrente descendente. Chegando aqui, pode-se, na verdade, afirmar que animus e anima - como assinalou C.G. Jung - correspondem ao arquétipo masculino e feminino (sendo que S. Freud invocará, por sua vez, o "pólo paterno" e o "pólo materno", onde se associam os complexos de Édipo e de Electra). De facto é hoje lugar comum falar-se do "hemisfério esquerdo" do cérebro (pensamento conceptual, verbal, sequencial, temporal, digital, algorítmico, lógico, racional, metódico, sistemático) e do "hemisfério direito" (pensamento estético, não verbal, simultâneo, espacial, analógico, heurístico, sintético, intuitivo, emotivo, improvisado, variável). Poderemos distinguir - em última análise - as dicotonomias razão-emoção, analítico-sintético, ciência-arte, mente-coração, vontade-sensibilidade, sol-lua, logos-pneuma.

"Augoeides"

É a Herman von Helmholtz – médico e físico alemão - que remonta a tese de que as únicas forças agindo nos organismos eram de natureza física-química, e que o homem não era de facto mais do que uma máquina. Para nos convencermos como semelhante concepcção é falsa, basta atentar para a chamada teoria electrodinâmica da vida avançada por Harold Saxton Burr e F.S.C. Northrop em 1935. Importa, porém, estabelecer, a este respeito, a sua correspondência exacta - similaridade - com os antigos textos relativos ao corpo vital ou etéreo e à aura humana. Somos conduzidos, assim, à noção de corpo bioplásmico ou corpo vital descrito pelos Vedas da Índia antiga, e o corpo sideral que figura nos escritos de Paracelso. Outro critério pode servir-nos para caracterizar a aura de luz - “augoeides” - conforme a expressão de Porfírio - assim, por exemplo, o “daimon” para os gregos e o “atman” para os hindus - ou ainda, nas suas variações e gradações, a teoria vitalista moderna. Os próprios conceitos da nova física - nomeadamente a mecânica quântica - revelam-nos então novos dados que parecem ter correlação directa com os ensinamentos dos místicos quanto à natureza da vida e do universo.

Animal Humano

Em “The Murder of Christ” (1953) Wilhelm Reich referiu-se aos múltiplos impactes da “peste emocional” - na época actual - que é formada e mantida sobre o medo das sensações orgânicas. Parte do problema torna-se, assim, o da estrutura mecanizada e couraçada do homem em íntima ligação com a tragédia do “animal humano”. O corpo é comprimido - incapaz, desde o início, de superar os bloqueios da energia vital - primeira e universal - divina - a energia orgone. É , todavia, a estrutura do aparelho psíquico blindado, que origina a inabilidade para governar a sua vida. Deste modo se torna fulcral desenvolver, uma vez mais, a autodeterminação humana (partindo da complementaridade entre a vida bioenergética e a vida social). Referimo-nos já à necessidade de uma verdadeira "metanoia" ou conversão. Pois, como já ressaltamos, o mal é uma criação do homem. Neste assunto trata-se especialmente de desvendar (ex (im) plícita mente) o mal-estar do "individuum". É precisamente a observação, sob diversos pontos de vista, da irrupção da insanidade em massa - do medo (de si próprio) na idade da propaganda - que conduz à escravidão. E, contudo, ainda se nos revela algo mais: uma psicologia de massa do fascismo que (re)produz os zé-ninguém - os paroxismos do ódio incompreensível - a violência e o terror - e principalmente o ódio ao Vivo.

Absolutização do signo

Poder-se-ia aceitar primeiro e em maior grau a noção revelatória da poesia. Pela sua natureza é ao mesmo tempo absolutização do signo e o esplendor do significado. Bastará falar dela aqui enquanto totalização da predicação. Será útil que nos detenhamos num ponto: a vida escrita (para invocar os impasses da letra e, por assim dizer, as projecções do insconsciente). Ou de outro modo: a poesia como particular reflexão da linguagem sobre si mesma (enquanto contra-discurso, an- arquía, sacralidade, opacidade ?).

Epifania da visibilidade

Sublinhe-se que quando falámos da tessitura simbólica do mundo nos referimos, em princípio, à sua pluralidade fenoménica. Torna-se necessário ligar o pensamento nocional (ou "noético") - a ratio - da sua nascente viva que é o pensamento real (ou pneumático) - o "intellectus". Dir-se-á, por conseguinte, que toda a manifestação - todo o sistema na sua complexidade - comporta - sabemo-lo - um triplo aspecto: macrofísico, biológico e quântico (microfísico e psíquico). Levanta-se então o problema da univocidade lógica que não se põe ao poeta: já o dissemos. Vamos, por um momento, admitir que a sua voz torna-se oblíqua, isto é, assumpção "ex-cêntrica". "O seu modo - retomando a tese de Geofrey Hartman - é o infinito. Cada estrofe sugere uma etapa que nunca se atinge - a da epifania da visibilidade".

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

SYMMETRIA DO IMERSO - VIGIAS DO ABISMO -

- O OLHO SUBLUNAR -

sob o rebordo - do telescópio - o ecrã indefinido - amálgama de luz - estrita - symmetria - do imerso - céu renhido da astronomia - o olho sublunar - reflexo nas lentes - entre estrelas - a inarticulada voz - do opaco - vigias do abismo -

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

MORTE QUE PUDESSE - ESQUECER -

como a lâmpada - do exasperado - morte que pudesse - esquecer - para obviar a dor - irremediável do incerto - a memória do fulgor ? -