segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

NO ENCALÇO DE UMA GOTA DE CHUVA, BOTTICELLI

- A MÚSICA DO INEXORÁVEL
1.
oiço o eco da sua voz nua - sob o quarto escurecido - o som da chuva rasteira - em meio às naves - a pedra do ilegível - dormente - sobre a luz trémula contemplo - as ravinas e os montes - a alta torre - a hybris em minha mente - pródiga em azul -

2.
- relutante ao "trotskismo eliotiano" - advogo a prática visionária - uma arte crédula - formal - o evento quântico - no que tento exprimir - ignoro - a primazia da prima philosophia - resta-me o pântano metafísico e a via láctea - perder-me na assimetria das crateras - a matemática dúplice -

3.
toco a luz sonânbula dos holofotes - a ardósia e a neve - sinto-me perdido - junto a um livro de épicuro - reproduções das drip-paintings de pollock - rebolo-me no ávido - o incissivo - dentro do que se repercute - penso nas marés-vivas - num espelho e em whithead - a dualidade sem dualismo - a matéria e o vacuum -

4.
quem vislumbra - minhas pupilas cerradas - sob a boina vasca - desde o início o sumptuoso - o peso do incurável - no alento - da imortalidade - a voragem do desvario - as imagens que desfilam na retina - enquanto aceleras ? -
5.
- rumo ao dócil - imóvel - sobre o edredão inabalável - busco o impetuoso - o milagre profano - no encalço de uma gota de chuva - botticelli - a penúria do exangue - o proscrito corpo - na opacidade do irredimível - ? -
6.
- ela franze os pulsos e reclina os tornozelos - sob a manta roxa - em chamas - conivente - me concede abrigo - para lá da vicissitude - a música do inexorável - furta-se à sonolência da erva - sobre o inconsolável - ?

Porto, 21 Dezembro 2009

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A TÚLIPA EM CHAMAS

- A VOZ DO IRREDUTÍVEL

1.
sob os penhascos um promontório

o contorno de uma torre alucinada

um rasgão a luz molhada do horizonte

a cabeça de uma cabra soerguendo-se

2.
quem balança em rodopio no cume de ardósia

junto ao que resvala galga o imprevisível

sorve em funda lama e a geada o céu aquoso?

3.
diz-me a altivez imóvel das pedreiras

sob a lousa oblíqua o sucinto passado

junto ao que ignoro o hálito da voz irredutível

o ouro que se oculta na túlipa em chamas

as sebes no ar a giesta esquiva inexpressiva

MANHÃ DE PRATA

- VOZ DO TERRESTRE

1.
resta-me soletrar o rumor do mar em meio às naves- vislumbrar o livro do inóspito - retomar o exausto- o que se desvanece no ouro - da folhagem - as nuvens do oriente -

2.
o que assoma no alto da montanha - resvala silencioso - quase me faz acreditar na voz do terrestre - a égua branca - na escuridão - a torre de areia na manhã de prata ? -

3.
sob essas nuvens do céu - o que perpassa voraz - me enebria - teu corpo - entre a luz e a pedra da demência - incandesce -

4.
através do desabitado - a altivez da cabra nua - a inteira blasfémia - junto ao que soçobra - o mais ínfimo corpo - na penumbra -

Porto, 19 Dezembro 2009

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

UM MAR DE LILASES

- LIBÉLULA, PRAÇA DE PEDRA
1.
em caminha retive as imagens da insensatez - na órbitra do incêndio - adormeci -

junto às velhas muralhas - sobre as quatro vigas - do atelier - abeirei-me do improvável - a morna sonolência das pedreiras - os juncos -

2.
sou safo catulo e villon - moisés e elias - o porto e a baía - no seu corpo convulso -

a maresia - o tigre astucioso e o cipreste - a desvanecida alga - em chamas - sobre um livro -

a areia exacta e a fímbria da pedra - a libélula esquiva - a coroa astral -

a voz recôndita e a praça dourada - de pó - a música do incompreensível -

o que se esvai - na onda viril - do intacto - a página branca - a cegueira do visível -

3.
quem se inscreve nesta viagem - pelos albergues da loucura - fome do sedento -

caminha sobre um mar de lilases - os cardos - pelo inconstante - a lanterna da prece - as imagens do límpido? -

4.
no calor das águas furtadas - vislumbrei - a sua cabeleira solta - a loucura secreta - da sereia -

suspenso na nudez tremente - infranqueável - contemplei - o seu sexo - clarão - sob o céu obscurecido -

por detrás do lençol - os ombros - o mais fremente -
5.
no desvalido corpo - da pintura - o ouro do sabat - um freixo - a voz diáfana -

a pedra opaca - sobre a luz dos relâmpagos – que sobe do meu peito - o granizo - penetrando nos ossos - ?

6.

permaneces quase a descoberto - numa voz escondida - repassada de cal - na erva húmida -

o fuscado pelo pudor - a lâmpada muda - mar anunciado - azul exultante - onde a pietas habita - o grito - entre aberto ?

Porto, 4 Dezembro 2009