quinta-feira, 29 de março de 2012
OS MAPAS - INFÂNCIA IMÓVEL -
volver-me às cartas de tarot - a perfeita imagem - do inexplicável - descerrar os mapas - do incomensurável - cingir-me ao parco - o indescritível - e permanecer no signo velado - rente à adversidade - a infância imóvel -
segunda-feira, 26 de março de 2012
TEATRO - INEXPUGNÁVEL -
- INFINITO ENCENADO -
saber que diviso - o teatro - inexpugnável - infinito encenado - a voz - insistente - do irresoluto - na incumbência da noite - hei-de partir - e remover as palavras - do irreversível - urdir a alucinação - do sucinto - a plausibilidade do díspar -
saber que diviso - o teatro - inexpugnável - infinito encenado - a voz - insistente - do irresoluto - na incumbência da noite - hei-de partir - e remover as palavras - do irreversível - urdir a alucinação - do sucinto - a plausibilidade do díspar -
quinta-feira, 22 de março de 2012
TREMOR IRREVOGÁVEL
recordo o olho de boi - trespassado - por uma lâmina - de ar -
o grito - a pedra do inacessível - os mapas do incomensurável -
voz hebreia - pão ázimo - entre a noite - o tremor irrevogável -
sobre a luz obtusa - em teu flanco - a pedra - incêndio exacto -
RETINA DO ESPESSO
transpor a retina do espesso - o gueto - tácita palavra do deserto -
ser o foragido da inconsistência - manter-me na órbitra do infindo -
reter a pedra - para inquirir - transpor o pecúlio - baú do mantimento -
o grito - a pedra do inacessível - os mapas do incomensurável -
voz hebreia - pão ázimo - entre a noite - o tremor irrevogável -
sobre a luz obtusa - em teu flanco - a pedra - incêndio exacto -
RETINA DO ESPESSO
transpor a retina do espesso - o gueto - tácita palavra do deserto -
ser o foragido da inconsistência - manter-me na órbitra do infindo -
reter a pedra - para inquirir - transpor o pecúlio - baú do mantimento -
quarta-feira, 21 de março de 2012
SAGESSE, SABER E SABOR
- ESCRITURA E DISCURSO EM FÁTIMA VALE E BRUNO MIGUEL RESENDE
Sagesse, saber e sabor são três palavras com a mesma raiz, provenientes do latim sapere, que significa ter o gosto (ou o perfume). Elas revelam-nos o caminho que Fátima Vale e Bruno Miguel Resende escolheram indicando talvez os tópicos de uma “escrita-gozo” onde se retoma o apego trans-versal ou neo-maneirista (nas exigências de l`artífice) - a vocação visionária. Falada ou escrita, a língua precisa de “prazer”, do jogo de palavras, da “alegria” do texto. Não podemos, no entanto, deixar-nos seduzir pelo poder criador da abstracção ou pela magia da palavra. Porque, a crer em Martin Heidegger, “o que se enuncia por palavra nunca é, em nenhuma língua, o que se diz” (Questions III, pág. 35)
topologia oracular
A complementaridade entre as poéticas de Fátima Vale e Bruno Miguel Resende é agora mais patente. Em ambos, a primazia da língua - o impossível que lhe é próprio - a confontração com a melancolia. Reencontramos aqui as conexões ou os registros híbridos - xamanísticos ou mágicos - a philia dos filósofos - o preciosismo e o rebuscamento verbal . São duas modalidades - sujeitos-de-enunciação - escritas - que, à primeira vista, não procuram objectivos comunicativos. Os seus textos - no intervalo entre a Patafísica de Jarry e a estética do duende e do aduendado de Garcia Lorca - surgem-nos ancoradas na “alquimia” e na “imaginação activa” e, por conseguinte, nos avatares da (com) pulsão erótica. Parte-se do intentio des-construtor (na emergência da topologia oracular), das narrativas-moldura, do eros cognoscitivo.
escrita depurada - uterina
Em “´Spabilanto” (Incomunidade, 2012) de Fátima Vale enraíza-se uma poética da catarse e da doação (sob o influxo das iluminações). Trata-se de uma uma escrita depurada - uterina - onde se increve (de forma directa, imediata) o affectivus (o transbordamento pulsional). Poderíamos falar de uma poesia orante cuja lógica é a da re-afirmação do metamórfico e do epifânico. É necessário ter em conta o stylo original de confluência simbólica e linguística bilingue (entre o português e o mirandês), Trata-se, pois, de um poemário miscellanea do erótico e do festivus, da defesa do maravilhoso, do inusitado ou “primordial”.
códigos da origem
A estética de Fátima Vale remete-nos ao “teatro” do (cosmos) texto: ”os códigos da origem” (pág. 24). Este conjunto de 18 textos - exercícios da escrita - sob a fluidez do sensível - concedem ao imitatio “imitação”, por sua sinonímia com “cópia”, quanto seu correspondente grego, mímesis, a sua importância primordial. Refira-se: “mimesis da memória/hermética dissolvência da resenha pura/palavra erecta”(pág 11). Assente num discurso de “a terceira voz“ (p. 30) - de afirmação de uma ars erotica - poderíamos falar, efectivamente, de uma poética do sensível – sob a hegemonia da terra-matriz animada - a partir justamente dum apego à insânia - o pathos dionisíaco - ou o privilégio do êxtasse e da ebriedade. Eis a questão fundamental que se põe: a escrita-excepção e o actor-xamane.
delphis, matriz
Existe um forte pendor lírico (mediúnico) na obra de Fátima Vale. Nela se põe em relevo a marca délfica (que nos remete à palavra delphis, a “matriz”) - o (inter) texto cultural - a hybris trágica - o fluir heraclíteo. Não é difícil notar o pendor de uma escrita que parte do ludus, jogo, e do illudere, jogar, é a aposta da desmesura, do discurso engenhoso. Pode dizer-se, contudo, que estes poemas nos remetem a um tipo de escrita erudita - (tran)sensorial - da desmedida do ser - do corpo pulsional (no fluxo de um idioma sumptuoso).
“plateaux”
“Falosofia”(incomunidade, 2012) de Bruno Miguel Resende é uma afirmação da (des)construção - dos insights para-sóphicos - da prática intertextual - primum falum - eros. No seu registro híbrido - mas também contaminação de géneros - torna-se visível uma escrita por “séries” ou “plateaux” - de (des)ligações - quadros - especulações - na imbrincação do teatro e do symposium. Todavia uma poética singular (no regime a-teológico) ancorada numa série de figuras ou narrativas - um parafrasear de multiplicidades - as glândulas genitais. Convém fazer referência - em sentido lato - a um texto puzzle onde se cruzam, em última análise, os chistes e os trocadilhos sofisticados, a ironia no “des-figurar” a convenção escrita.
montagens agenciamentos
Dez (10) quadros - digressões – que se fundam sobre a evenemencialidade da linguagem. Irrompências selváticas (do latim selvaticus, “o da floresta”), monó(diá)logos - dissertações - “textualidades vínicas” (p. 24). Um livro que nos remete, pois, a Apuleio, Rabelais, Jarry ou Bataille: as montagens agenciamentos - manipulações anagramáticas - encenações textuais. E isto a partir de um universo discursivo marcado pela tensão expressiva e simbólica – a língua como desejo - a inflexão inusitada - a (ultra)dimensão do sentido.
paradoxo
Bruno Miguel Resende começa o seu livro atribuindo à teatralidade um papel capital (põe precisamente, como Artaud, os mistérios de Elêusis como paradigma do teatro autêntico). Ele faz daí o “lugar” da emergência do paradoxal. O paradoxo não se opõe ao verdadeiro mas ao que nos parece ou aquilo que entendemos ser verdadeiro. O fim do paradoxo é para a filosofia o começo da verdade. O paradoxo é por isso a condição da possibilidade do pensamento. “Ora a verdade - como nos diz - escreve-se e enterra-se. Desenterra-se e reescreve-se (…) Confirma-se algo pela sua descendência” (pág. 13).
vénus - veneno
A noção de “Premonitório. Prestidigitação cosmogónica (…) Surrealização” (pág. 10) é também importante para compreender o ponto de vista sobre a escrita de Bruno Miguel Resende - enquanto voz do impossível - antropofagia - “redescoberta visceral do outro em nós” (pág. 6). Desenha-se uma lógica que nos remete à philia (amizade) e à sophia (saber, sagesse). Estas questões aclaram-se se as remontarmos à noção de philosophia - amor da sabedoria - ciência do ser - o que é já reactivação da theoria - que se de-compõe? Mas há mais: a primazia dum discurso em torno de vénus (e por meio da qual se chega à noção latina de amor físico, acto sexual). De vénus derivam o veneno (venenum) e o venenoso.
erecção e direcção
Voltemos à escritura, traço, suplemento, hymen, o falo(logos) (afim da erecção e da direcção). É aqui que intervém pã e príapo - o falo do corpo do deus para fazer dele o símbolo sagrado do erotismo. Os modelos que se trata são, igualmente, o venerável e o venéreo. Segundo as teses de Lacan o primeiro significante é o falo. Lembremos que Freud fala da premissa universal do falo, sendo este o lugar onde a diferença anatômica se torna logicamente impossível e onde - segundo - Germán L. Garcia - se produz a alienação de um sexo por outro, e desaparece a relação sexual. O real da diferença fica oculto (no sentido de ocultismo, de abismos e enigmas). O autor de "O chiste e a sua relação com o inconsciente" põe - no termo da análise psicanalítica - um nome à incerteza sexual generalizada - bissexualidade - que sanciona as dificuldades da identidade, a partir dos "caracteres sexuais".
Livraria Traga-Mundos, Vila Real, 10 de Março de 2012
Alexandre Teixeira Mendes
Sagesse, saber e sabor são três palavras com a mesma raiz, provenientes do latim sapere, que significa ter o gosto (ou o perfume). Elas revelam-nos o caminho que Fátima Vale e Bruno Miguel Resende escolheram indicando talvez os tópicos de uma “escrita-gozo” onde se retoma o apego trans-versal ou neo-maneirista (nas exigências de l`artífice) - a vocação visionária. Falada ou escrita, a língua precisa de “prazer”, do jogo de palavras, da “alegria” do texto. Não podemos, no entanto, deixar-nos seduzir pelo poder criador da abstracção ou pela magia da palavra. Porque, a crer em Martin Heidegger, “o que se enuncia por palavra nunca é, em nenhuma língua, o que se diz” (Questions III, pág. 35)
topologia oracular
A complementaridade entre as poéticas de Fátima Vale e Bruno Miguel Resende é agora mais patente. Em ambos, a primazia da língua - o impossível que lhe é próprio - a confontração com a melancolia. Reencontramos aqui as conexões ou os registros híbridos - xamanísticos ou mágicos - a philia dos filósofos - o preciosismo e o rebuscamento verbal . São duas modalidades - sujeitos-de-enunciação - escritas - que, à primeira vista, não procuram objectivos comunicativos. Os seus textos - no intervalo entre a Patafísica de Jarry e a estética do duende e do aduendado de Garcia Lorca - surgem-nos ancoradas na “alquimia” e na “imaginação activa” e, por conseguinte, nos avatares da (com) pulsão erótica. Parte-se do intentio des-construtor (na emergência da topologia oracular), das narrativas-moldura, do eros cognoscitivo.
escrita depurada - uterina
Em “´Spabilanto” (Incomunidade, 2012) de Fátima Vale enraíza-se uma poética da catarse e da doação (sob o influxo das iluminações). Trata-se de uma uma escrita depurada - uterina - onde se increve (de forma directa, imediata) o affectivus (o transbordamento pulsional). Poderíamos falar de uma poesia orante cuja lógica é a da re-afirmação do metamórfico e do epifânico. É necessário ter em conta o stylo original de confluência simbólica e linguística bilingue (entre o português e o mirandês), Trata-se, pois, de um poemário miscellanea do erótico e do festivus, da defesa do maravilhoso, do inusitado ou “primordial”.
códigos da origem
A estética de Fátima Vale remete-nos ao “teatro” do (cosmos) texto: ”os códigos da origem” (pág. 24). Este conjunto de 18 textos - exercícios da escrita - sob a fluidez do sensível - concedem ao imitatio “imitação”, por sua sinonímia com “cópia”, quanto seu correspondente grego, mímesis, a sua importância primordial. Refira-se: “mimesis da memória/hermética dissolvência da resenha pura/palavra erecta”(pág 11). Assente num discurso de “a terceira voz“ (p. 30) - de afirmação de uma ars erotica - poderíamos falar, efectivamente, de uma poética do sensível – sob a hegemonia da terra-matriz animada - a partir justamente dum apego à insânia - o pathos dionisíaco - ou o privilégio do êxtasse e da ebriedade. Eis a questão fundamental que se põe: a escrita-excepção e o actor-xamane.
delphis, matriz
Existe um forte pendor lírico (mediúnico) na obra de Fátima Vale. Nela se põe em relevo a marca délfica (que nos remete à palavra delphis, a “matriz”) - o (inter) texto cultural - a hybris trágica - o fluir heraclíteo. Não é difícil notar o pendor de uma escrita que parte do ludus, jogo, e do illudere, jogar, é a aposta da desmesura, do discurso engenhoso. Pode dizer-se, contudo, que estes poemas nos remetem a um tipo de escrita erudita - (tran)sensorial - da desmedida do ser - do corpo pulsional (no fluxo de um idioma sumptuoso).
“plateaux”
“Falosofia”(incomunidade, 2012) de Bruno Miguel Resende é uma afirmação da (des)construção - dos insights para-sóphicos - da prática intertextual - primum falum - eros. No seu registro híbrido - mas também contaminação de géneros - torna-se visível uma escrita por “séries” ou “plateaux” - de (des)ligações - quadros - especulações - na imbrincação do teatro e do symposium. Todavia uma poética singular (no regime a-teológico) ancorada numa série de figuras ou narrativas - um parafrasear de multiplicidades - as glândulas genitais. Convém fazer referência - em sentido lato - a um texto puzzle onde se cruzam, em última análise, os chistes e os trocadilhos sofisticados, a ironia no “des-figurar” a convenção escrita.
montagens agenciamentos
Dez (10) quadros - digressões – que se fundam sobre a evenemencialidade da linguagem. Irrompências selváticas (do latim selvaticus, “o da floresta”), monó(diá)logos - dissertações - “textualidades vínicas” (p. 24). Um livro que nos remete, pois, a Apuleio, Rabelais, Jarry ou Bataille: as montagens agenciamentos - manipulações anagramáticas - encenações textuais. E isto a partir de um universo discursivo marcado pela tensão expressiva e simbólica – a língua como desejo - a inflexão inusitada - a (ultra)dimensão do sentido.
paradoxo
Bruno Miguel Resende começa o seu livro atribuindo à teatralidade um papel capital (põe precisamente, como Artaud, os mistérios de Elêusis como paradigma do teatro autêntico). Ele faz daí o “lugar” da emergência do paradoxal. O paradoxo não se opõe ao verdadeiro mas ao que nos parece ou aquilo que entendemos ser verdadeiro. O fim do paradoxo é para a filosofia o começo da verdade. O paradoxo é por isso a condição da possibilidade do pensamento. “Ora a verdade - como nos diz - escreve-se e enterra-se. Desenterra-se e reescreve-se (…) Confirma-se algo pela sua descendência” (pág. 13).
vénus - veneno
A noção de “Premonitório. Prestidigitação cosmogónica (…) Surrealização” (pág. 10) é também importante para compreender o ponto de vista sobre a escrita de Bruno Miguel Resende - enquanto voz do impossível - antropofagia - “redescoberta visceral do outro em nós” (pág. 6). Desenha-se uma lógica que nos remete à philia (amizade) e à sophia (saber, sagesse). Estas questões aclaram-se se as remontarmos à noção de philosophia - amor da sabedoria - ciência do ser - o que é já reactivação da theoria - que se de-compõe? Mas há mais: a primazia dum discurso em torno de vénus (e por meio da qual se chega à noção latina de amor físico, acto sexual). De vénus derivam o veneno (venenum) e o venenoso.
erecção e direcção
Voltemos à escritura, traço, suplemento, hymen, o falo(logos) (afim da erecção e da direcção). É aqui que intervém pã e príapo - o falo do corpo do deus para fazer dele o símbolo sagrado do erotismo. Os modelos que se trata são, igualmente, o venerável e o venéreo. Segundo as teses de Lacan o primeiro significante é o falo. Lembremos que Freud fala da premissa universal do falo, sendo este o lugar onde a diferença anatômica se torna logicamente impossível e onde - segundo - Germán L. Garcia - se produz a alienação de um sexo por outro, e desaparece a relação sexual. O real da diferença fica oculto (no sentido de ocultismo, de abismos e enigmas). O autor de "O chiste e a sua relação com o inconsciente" põe - no termo da análise psicanalítica - um nome à incerteza sexual generalizada - bissexualidade - que sanciona as dificuldades da identidade, a partir dos "caracteres sexuais".
Livraria Traga-Mundos, Vila Real, 10 de Março de 2012
Alexandre Teixeira Mendes
quinta-feira, 8 de março de 2012
"RANHURA" DE CARLOS VINAGRE
- lógica do convulso, uni-verso orgânico
“Ranhura” (principícios, Lisboa, 2012) de Carlos Vinagre (1987) põe de facto em relevo o eclodir do corpo e da escrita, abertura para o confronto com um horizonte pré-dado, sempre aberto, hiância ou fenda. Um substantivo feminino (preciso) como pré-requisito. Poder-se-ia levar em conta, porém, o seu pendor melancólico, uma poética de tensão e mesmo de paradoxo, onde se valoriza a imanência e o cepticismo (movimento iniciado por Piron e sua escola no século III A. C.)
e não mais que o aparato lógico
uma arritmia alojada pela porta do cutâneo
uma desconfiança de tudo quanto existe
e uma corda a enrolar-se na espuma exacta (p. 24)
A característica desta escrita é o relevo dado ao uni-verso orgânico (na sua expressão fisicista - nuclear e totalizante - de “arquétipos” ou “imagens-princípios”). Na utilização das metáforas quase-conceito relacionadas com as asserções “intensivas” da bioquímica - o ADN inscrito no corpo - a entropia - a indeterminação - a própria (in)comunicação patológica. "Há uma voz que soletra o impossível - abranda um impulso das estranhas. Escamo a pele até que o fumo invada a minha traqueia e eu me sinta perante o indizível" (p. 14). Referirmo-nos, por conseguinte, às sequências de experiências “irresolúveis”. De facto, as fórmulas esmagam-nos. Pensar com propriedade é difícil e demorado. E não nos julgamos no dever de dizer tudo: (in)comunicar.
desterritorialização e máquina humana
Trata-se, realmente, de uma escrita do orgânico e do aberto (à luz do corpo-pulsão e do psiquismo-representação). Mas não se trata de invocar o corpo-ser mutante e a escrita-palimpsesto - tudo o que concerne ao dictamem obscuro - a acentuação da poesia enquanto voz do impossível - o outro - indizível e intransferível .“Habitar o que não é habitável e deixar a lareira expandir-se, queimar a casa, arder todos os meus livros, todas as minhas recordações, todas as minhas cadeias, num exercício anti-poder que me liberte para o que não existe” (p. 9-10).Poderíamos falar de uma escrita centrada sobre a desterritorialização. Onde o que importa reter é uma palavra-chave: a máquina viva (auto-organizada). “Insisto na máquina humana. Desejo depô-la, deitá-la ao lixo, procurar o limbo incolor na fome do corpo, deitá-la fora e abrir as minhas costelas à procura de um outro coração que respire, com um suor mais vaporoso e uma forma aberta à imprecisão de tudo” (p. 9).
códigos da biologia
A força atractiva da poética de Carlos Vinagre evidencia-se de modo particular pela sua referência aos códigos da biologia. Que sentido tem (e ainda tem) falar da máquina neuronal que nos “distingue” do animal? Como se elabora o pensamento abstracto que nos caracteriza? Que significa o cérebro como um sistema auto-programado? Que relação poderá existir entre os objectos mentais procedentes do real e os chamados objectos mentais fictícios, inventados, imaginados? Encontramos aqui enunciada a questão do não-redutivo - as bifurcações do aberto - os quantas (Erwin Schrodinger). Assim, da noção primeira do não-linear (discontínuo), passamos a estoutra, mais precisa, de pseudo-aleatório (fractal). Compreende-se assim que a nova ciência fale mesmo de bifurcações, leis de escala, caos, atractores estranhos, intermitências. Fica assim expressa a démarche característica da escrita de Carlos Vinagre: a sua configuração paradoxal. Que aglutina e polariza em torno de si - numa escrita condensada e abreviada - uma série de questões pertinentes que parecem concentrar-se gradualmente à volta das noções de da ordem e da desordem - das com(dis)junções – dos imputs e dos outputs sensoriais. “os paradoxos são cruciais pela antevisão da/manhã./Por esta óptica adquiro uma transparência/ vulnerável, talvez uma ética./não é retalho. Ao dobrar de cada rua, ao bater,/alimentado pela ranhura das nuvens, outra busca” (p. 17).
Err(transum)ância
Importa, no entanto, ter em atenção que, neste poemário, a linguagem não é a “casa do ser” (Martin Heidegger) mas o lugar de uma metamorfose itinerante. De facto é lícito supor que ser, é ser nomeável. Conjuga-se assim o anúncio da err(transum)ância. “Não quero restar. Prefiro a convulsão, ser escutado pelo mundo, a minha língua é traída pelo verbo… Abisma-se a negritude das coisas. Quero abrir o tórax ao universo, despedaça-lo, ser escutado pelo sonho. Desejo a incomunicação” (p. 33). Ponto de partida e eixo fulcral é, prém, a negação das teorias do news-making - do “já dado” informacional - tendo em conta que a poesia surge-nos como transe (do latim transire = passar), “sagesse”, abertura (sináptica) para a visão (as experiências visionárias).
Bar Olimpo - Porto, 7 de Março de 2011
Alexandre Teixeira Mendes
“Ranhura” (principícios, Lisboa, 2012) de Carlos Vinagre (1987) põe de facto em relevo o eclodir do corpo e da escrita, abertura para o confronto com um horizonte pré-dado, sempre aberto, hiância ou fenda. Um substantivo feminino (preciso) como pré-requisito. Poder-se-ia levar em conta, porém, o seu pendor melancólico, uma poética de tensão e mesmo de paradoxo, onde se valoriza a imanência e o cepticismo (movimento iniciado por Piron e sua escola no século III A. C.)
e não mais que o aparato lógico
uma arritmia alojada pela porta do cutâneo
uma desconfiança de tudo quanto existe
e uma corda a enrolar-se na espuma exacta (p. 24)
A característica desta escrita é o relevo dado ao uni-verso orgânico (na sua expressão fisicista - nuclear e totalizante - de “arquétipos” ou “imagens-princípios”). Na utilização das metáforas quase-conceito relacionadas com as asserções “intensivas” da bioquímica - o ADN inscrito no corpo - a entropia - a indeterminação - a própria (in)comunicação patológica. "Há uma voz que soletra o impossível - abranda um impulso das estranhas. Escamo a pele até que o fumo invada a minha traqueia e eu me sinta perante o indizível" (p. 14). Referirmo-nos, por conseguinte, às sequências de experiências “irresolúveis”. De facto, as fórmulas esmagam-nos. Pensar com propriedade é difícil e demorado. E não nos julgamos no dever de dizer tudo: (in)comunicar.
desterritorialização e máquina humana
Trata-se, realmente, de uma escrita do orgânico e do aberto (à luz do corpo-pulsão e do psiquismo-representação). Mas não se trata de invocar o corpo-ser mutante e a escrita-palimpsesto - tudo o que concerne ao dictamem obscuro - a acentuação da poesia enquanto voz do impossível - o outro - indizível e intransferível .“Habitar o que não é habitável e deixar a lareira expandir-se, queimar a casa, arder todos os meus livros, todas as minhas recordações, todas as minhas cadeias, num exercício anti-poder que me liberte para o que não existe” (p. 9-10).Poderíamos falar de uma escrita centrada sobre a desterritorialização. Onde o que importa reter é uma palavra-chave: a máquina viva (auto-organizada). “Insisto na máquina humana. Desejo depô-la, deitá-la ao lixo, procurar o limbo incolor na fome do corpo, deitá-la fora e abrir as minhas costelas à procura de um outro coração que respire, com um suor mais vaporoso e uma forma aberta à imprecisão de tudo” (p. 9).
códigos da biologia
A força atractiva da poética de Carlos Vinagre evidencia-se de modo particular pela sua referência aos códigos da biologia. Que sentido tem (e ainda tem) falar da máquina neuronal que nos “distingue” do animal? Como se elabora o pensamento abstracto que nos caracteriza? Que significa o cérebro como um sistema auto-programado? Que relação poderá existir entre os objectos mentais procedentes do real e os chamados objectos mentais fictícios, inventados, imaginados? Encontramos aqui enunciada a questão do não-redutivo - as bifurcações do aberto - os quantas (Erwin Schrodinger). Assim, da noção primeira do não-linear (discontínuo), passamos a estoutra, mais precisa, de pseudo-aleatório (fractal). Compreende-se assim que a nova ciência fale mesmo de bifurcações, leis de escala, caos, atractores estranhos, intermitências. Fica assim expressa a démarche característica da escrita de Carlos Vinagre: a sua configuração paradoxal. Que aglutina e polariza em torno de si - numa escrita condensada e abreviada - uma série de questões pertinentes que parecem concentrar-se gradualmente à volta das noções de da ordem e da desordem - das com(dis)junções – dos imputs e dos outputs sensoriais. “os paradoxos são cruciais pela antevisão da/manhã./Por esta óptica adquiro uma transparência/ vulnerável, talvez uma ética./não é retalho. Ao dobrar de cada rua, ao bater,/alimentado pela ranhura das nuvens, outra busca” (p. 17).
Err(transum)ância
Importa, no entanto, ter em atenção que, neste poemário, a linguagem não é a “casa do ser” (Martin Heidegger) mas o lugar de uma metamorfose itinerante. De facto é lícito supor que ser, é ser nomeável. Conjuga-se assim o anúncio da err(transum)ância. “Não quero restar. Prefiro a convulsão, ser escutado pelo mundo, a minha língua é traída pelo verbo… Abisma-se a negritude das coisas. Quero abrir o tórax ao universo, despedaça-lo, ser escutado pelo sonho. Desejo a incomunicação” (p. 33). Ponto de partida e eixo fulcral é, prém, a negação das teorias do news-making - do “já dado” informacional - tendo em conta que a poesia surge-nos como transe (do latim transire = passar), “sagesse”, abertura (sináptica) para a visão (as experiências visionárias).
Bar Olimpo - Porto, 7 de Março de 2011
Alexandre Teixeira Mendes
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