segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

permaneces junto ao que se evola - nos mapas - do inabitável - o incontido ? - sob a inescapável luz - pelo traço do inerme - a cegueira - indelével ? - os signos - imagens do esquivo - o que assoma no exacto evanescente ? - 

domingo, 13 de abril de 2014

DO SENTIMENTO "DE SI" E DO (SOBR)EROTISMO EM ALFONSO LÁUZARA MARTÍNEZ


 

Noite ~ Día” de Alfonso Láuzara Martínez  (Q de Vian Cadernos, A Porta Verde do Sétimo Andar, 2013)  conecta-nos com a simbólica terrestre e saturnina, aquática e lunar, aérea e mercurial, ígnea, solar e intelectual (ao menos “em tese”). Redescobre-se justamente o pendor de uma escrita erótica - de per si - da libido - onde se privilegia a língua (galega) como desejo.  Seja lícito, porém, pôr outra vez em foco uma arque-tipologia das polaridades dialécticas e das antinomias. Identifica-se - eventualmente - com o complexo de valorações contraditórias e complementares. E, contudo, uma poemática que, no seu conjunto, associa-se a um mosaico de estados afectivos (restringindo o sentido das projecções do (in)consciente). O que aqui emerge é uma vertente mítico-simbólica (partindo das estruturas arcaicas e imemoriais). E, todavia, o onírico, o amor, filos, o corpo como ser sexuado.

duplo curso

Dado o quadro da fenomenologia do imaginário - o âmbito restrito, - só por si - , da ontologia simbólica - a vis poética - poderemos estabelecer, resumidamente, de que maneira se desenvolve a dialéctica da justaposição dos contrários (ou dos contraditórios)? Mas onde é preciso considerar a configuração de um duplo curso - a síntese disjuntiva - onde se evoca a quântica sexual - as zonas de indeterminação (intersecção) do masculino e do feminino, o sentimento de si ?

macro(micro)cosmos

Notar-se-á, de passagem, que a maioria das visões cosmogónicas indicam que a noite procedeu o dia. Poder-se-ia referir a cultura grega que forjou a crença de que a noite é filha do caos. E que da escuridão e da morte nasceu - em definitivo - o amor (a ordem e a beleza, como tal). E assim o amor - repito - deu origem à luz e ao seu companheiro o dia radioso. Chegamos, entretanto, à questão dos seis “épocas” e do tempo requerido pela criação - documentado no livro hebraico Beréshit (No Princípio, Gênesis) - em que o sol e a lua só surgem de per si no “quarto dia”. Assim, por certo, a palavra hebraica "dia" (yom) pode implicar um largo período de tempo. Resulta evidente que aqui "dia" abarca mais que vinte e quatro horas.  Se bem que ainda se possa ainda estabelecer uma distinção - seguindo a tradição extremo-oriental - entre as duas partes do mundo que se complementam - o céu e a terra - o yang (luminoso) e o yin (escuro) - é crucial compreender que - neste sintético quadro de referência - para cada ser existe uma analogia entre o macro-cosmos e o micro-cosmos, as duas metades do andrógino primordial.

coincidentia oppositorum

O que justifica a semiosis de uma escrita pulsional que - para lá das proposições significantes - remete-nos (no sentido lato do termo) a uma polaridade de sentido e, por conseguinte, a uma dialéctica arcana (auto-implicativa)? Na base deste poemário - em que se cristaliza a forma supplementum do impulso sexual originário - está a proeminência de um binómio onde coexistem hic et nunc a pulsão; o estado de prazer e o seu correlato, o desprazer; a irrupção do desejo, que se exprime sob a forma de estado de expectativa e de busca, alimentado por representações (inconscientes ou conscientes).

síntese lírica

Reconhecer-se-á a pre-figuração de um título antinómico - da correspondentia  - luz e treva - que veicula, ademais, uma dimensão originária, fundante.  Precisemos, ainda, que este poemário reproduz a “con-dicção” lírica - ou é a explicitação  da coincidentia oppositorum. Compreende a articulação de um (sobr)erotismo - assente numa visão processual binária - permite-nos elucidar um arquétipo cósmico.  Um livro indispensável onde não podemos deixar de destacar as ilustrações de Elisabete Pires Monteiro que tem por correlato as fulgurações do conhecimento do outro: o amor (eros). Porquanto, nesse entrelaçamento, o corpo torna-se linguagem e a linguagem inscreve-se na materialidade do corpo.

Alexandre Teixeira Mendes

Porta XIII - Vila Nova de Cerveira - 15 de Março de 2014

quinta-feira, 3 de abril de 2014

“XAMANISMOS” DE ELISABETE PIRES MONTEIRO:

A METACRONICIDADE OU O PRIMITIVISMO DO COMPLEXO

“O ser humano é um animal que não pode viver unicamente na temporalidade terrestre e ele procura articular essa temporalidade sobre uma vida cósmica ou eterna (metacronicidade)”

Jean Marejko, Le Roi du Technocosme est nu in Temps Cosmique Histoire Humaine, Paris, Vrin, 1996, p. 95-96

 

Elisabete Pires Monteiro (Sully-sur-Loire, 1974) condensa em si uma miríade de associações no enraizamento de temas arcaicos (cosmogónicos). Pode ainda reconhecer-se esse estatuto de uma arte da (intra)verificação da linguagem religiosa e, portanto, das figuras-arquetípicas.  Operando subliminarmente nas fissuras da significação, ora com traços iniciáticos e terapêuticos, ora revestindo uma dimensão de depuração (tecnicista e intelectual), a sua pintura é a revelação do primitivismo do complexo, da cosmosofia e da aventura metapsíquica. De facto, a ênfase de uma arte codificada (gaia ciência ou gaio saber) assente numa  (proto)linguagem associada ao onírico  - o místico-religioso - a transmutação e a metamorfose - intercepta  a instância do  diferencial feminino  (associada ao poético-literário e ao cosmovisional-simbólico). E aqui é pertinente evocar a Terra-Mãe - enquanto categoria prévia  - e cume de acesso a uma visão tipicamente humana (humanada) onde se apreendem - directa e imediatamente - os fenómenos catatónicos ou subterrâneos (nocturnos) e metatónicos, urânicos ou celestes (transcendentes). Conexo com os pressupostos de uma simbólica em que o corpo é terráqueo, o espírito solar-celeste, e a alma, lunar. 

Co-implicação simbólica

Convém sublinhar que a criação pictórica de Elisabete Pires Monteiro partilha até ao extremo uma visão do mundo resolutamente transversal, surreal, côncava, reversiva. A lógica estética-religiosa ou metamorfótica é algo constitutivo, essencial, estrutural, nesta pintura. E, evidentemente, a metacronicidade. De resto, se se considerarem mais de perto estes quadros -  na sua  co-implicação simbólica -  pode ver-se aqui claramente a sua associação ao arquetípico da gaia, mater, mãe ou elemento feminino, receptor, fecundável,  Mais do que um mero exercício assente nas técnicas convencionais ou  experimentais, a sua pintura - na ligação ao pensamento mágico - fixa a nossa atenção nas abordagens do xamanismo que está profundamente enraizado na experiência extática visionária. Desde logo, em consonância com o que Roger Bastide chama o “sagrado selvagem”.  Parece-nos, no entanto, que no seu trabalho -  “em série” -  entrelaçam-se  as marcas do jogo do mundo e do jogo da criação (poesis).  O vínculo ao  xamanismo - a religiosidade naturalista assente nas visões proféticas, conhecimento judicioso ou a visão em voo - deixa-se facilmente apreender por uma análise compreensiva.

Vidente e guardião das tradições

“Xamanismos” – título da exposição – enquanto partilha de uma pintura-padrão - mítico-sacral e totémica – cognoscitiva - encruzilhada do sonho como religião da mente - é fundamentalmente uma homenagem ao xamã e, em todo o caso, o seu mundo tribal (na valorização - a partir das forças invisíveis do universo - do numinoso- da demanda do centro sagrado do mundo - a árvore cósmica). Retenhamos apenas, por agora, um conjunto de quadros-variações, onde os xamãs não são meramente capturados; são tornados uma tradição viva – como “especialistas do sagrado” - que trabalham secretamente  técnicas especiais -  que incluem jejum, meditação e o uso de substâncias químicas – ervas intoxicantes – botânica dos alucinogénios sagrados - capazes de dispararem estados alternativos de consciência.  Consideremos mais de perto o seu papel fundamental de adivinho, vidente, mágico, poeta, cantor, artista, profeta da caça e do tempo, guardião das tradições e, por consequência, curandeiro das doenças do corpo e do espírito. Reencontramos neste ponto o médico-ervanário manipulando complexas misturas terapêuticas e farmacológicas (com base nos critérios de que as plantas psicotrópicas são mágicas e sagradas).

Mundo onírico arcaico

Se quisermos traçar o quadro destas pinturas - variações arquétipas ou imagens primitivas - , há, pois, antes de mais, que determinar aquilo que se considera como mundo do xamã. Não é esse aqui o nosso propósito. Quando nos apercebemos - esforçadamente - dos esteios e dos caminhos duma arte plena de reminiscências e de projecções (iluminação involuntária dos desvãos e subsolos do nosso mundo psíquico por exemplo), apercebemo-nos, assimilando-a a um mundo onírico arcaico, “eterno” e “ubíquo” (como diria C.G. Jung). Todos sabemos da importância extraordinária que, nestes dois últimos séculos, foi tomando o estudo da história das religiões sobre o sagrado. A etno-história e a antropologia   - na sua reflexão sobre a trajectória da humanidade  - mostraram-nos que as mais antigas representações artísticas tiveram o seu ponto de partida nas preocupações mágico-religiosas. Neste sentido, é de salientar que estas imagens desenhadas, por assim dizer, em plataformas e em nichos naturais - do tipo santuário - na sua precisão técnica - enquanto tentativa de retractar o movimento cinemático - aparecem-nos  sobretudo como figuras super-realistas que carregam uma crença forte na eficácia da acção simbólica.

“Medecine-man”, “brujo”

O importante e decisivo dos desenhos sagrados gravados - no fundo das cavernas - está no facto de nos revelarem não somente o fulcro da auto-comunicação com o “numinoso” -  a divindade em toda a amplitude da sua realidade  - como alicerce das forças que unem homens e animais. E, consequentemente, a consignação da chamada “meta-experiência” mística, mas também da exaltação interior e, concludentemente, da crença fundada do que se não vê - as realidades espirituais. Aqui se entreabre um campo imenso - o da religião arcaica - o que é a definição mesma da religião primitiva - sob o influxo do xamã (que representa afinal o guardião genuíno e inflexível do saber tradicional na ligação ao mundo natural e espiritual) . Ele assume-se, em suas orientações fundamentais, como o especialista de plantas sagradas, o “medicine-man” e o “brujo”. O que Mircea Elíade não cessa de reconhecer é, se se quiser, a sintonia que existe entre o “homem” e o “ser religioso”. Mantém, inegavelmente, o parecer de que o religioso não é um “estádio”, mas um elemento - voltemo-lo a dizer - da “consciência humana”. Ancorado nesta perspectiva assinala, por outro lado, que as formas (algumas formas) do sagrado podem ser criações culturais e são-no de facto.. 

Alexandre Teixeira Mendes

Porto, 3 de Abril de 2014

segunda-feira, 24 de março de 2014

MAR DO INTÉRMINO - RASTRO DO SAL - COMETA HALLEY -


 LUZ DO EXÍGUO - PEDRAS DO INFLEXÍVEL -
 

sob a luz  do exíguo - essas pedras do inflexível - 

ilhéu - espuma - mar do intérmino - cometa halley - 



VIA LÁCTEA - STILLAE TEMPORUM -


via láctea - neurastenia - stillae temporum -

êxtase da cal -  rastro do sal - palavra ilegível -



MONTANHAS DO INTACTO - DISTENSIO ANIMI -


as montanhas do intacto - relâmpagos - chão inevidente -

o que se furta à cabra - alada -  do inábil - distensio animi -
 


VOZ DO INEPTO - O DESERDADO
 
ignoro a voz do inepto - seu código secreto - a cegueira -

sob  a palavra anómala - da intransigência  - o deserdado -
 
 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

AS NAVES DO IMPONDERÁVEL - VOZ ACLARADA - SOM INDUBITÁVEL -


quem - confinado a tiro - persiste junto  ao que soçobra -

entre a argúcia - da pedra -  as naves do imponderável ? -

sob a luz inigualável - subsiste no aéreo - voz aclarada -

vórtice do cemitério marinho - hidra - som indubitável ? -


 
 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

S. GENEVIÉVE - ABELARDO - UM OUTRO LÁZARO -

sobre a montanha de s. geneviéve permaneci errante - filósofo de piedade -  um homem só -
amigo assíduo de abelardo - santo desconhecido -  perscrutei o irrevogável -  a indolência -
hei-de livrar-me desta casa - de traves de carvalho -  onde outrora  o júbilo me abandonou  -
por esta noite suspendo a argúcia -  desisti de crer - no imponderável  - sou - um outro lázaro -

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

REGISTO DO DIMINUTO - J.S. BACH - O IMPERCEPTÍVEL GRAMOFONE -

1)
no registo do diminuto - escutas - j.s.bach - 
tardia desesperação - voz do condicional  - 

2)
dia após dia - o imperceptível gramofone -  
som - do minucioso -   pulsar do inaudível ? -  

3)
por sobre o rasto do insone - persistes imóvel - 

na quietude do ar - a lucidez do exasperado - 

4)
junto do mar - de sal  - o branco irrevogável -  
a retina do assíduo - escassez do irreconhecível ? - 

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

INEXAURÍVEL SEGREDO - VOZ DE PERSÉFONE -


sob o inexaurível segredo - a voz de perséfone -
 
o que se entrevê - junto à  escrita - do insone -
 
por sobre o intento da palavra -  o submergido -
 
 

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

DICTUM ALTHENTICUM - RICTÚS DE MALLARMÉ - A INADVERTIDA VOZ - DE HERODÍADE -


1.
nos confins da  mente -  irrevogável -  o tigre - o rictús de mallarmé  -   

o que perpassa -  no dictum althenticum - essa especulação indefinível ? - 

2.

da elegia te manténs -  música láctea - inarticulada voz - de herodíade -  

pressuroso de  inactualidade  - esquecido de ser - a histeria - o utérus ? -  
  


3.

permanecer na película - cd-rom - vácuo - peyote aclarado -

zapping - sonho-visão - equação -  a terminologia do indizível ? -


4.

sob o som que soçobra  - na obstinação do inábil - submerso  inexprimível -  

a incumbência da palavra - insubstituível  - ímpeto do signo -  inverossímel? -  


quinta-feira, 11 de julho de 2013

CIFRA - DITAME OBSCURO -


o que aflui - na pedra e cal  - espaço  - acúmulo - de figuras -

cúpula - nublada -  do sumptuoso - que transpus - ranhuras -
 
pluma de ave -  dragão - serpe - recôndita - do imponderável -
 
ditame obscuro -  prédica - cifra - incumbência do inexorável  -  
 


terça-feira, 9 de julho de 2013

TÉSSERA DO LATENTE - INFALÍVEL IGNOTO -


tácita mente - téssera do latente - incomensurável -
infalível ignoto - tácito que exalto - assiduamente?
 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

INCONGRUÊNCIA DA FALA - O OSSUÁRIO -


quem se detém - na nudez - do peremptório - abdicando da voz - permanece no recôndito - sobre o deserto - ressurge na incongruência - da fala - seu túmulo de pedra - o ossuário -

 

segunda-feira, 15 de abril de 2013

ÉCLOGAS DO EXANGUE - PROFUSSÃO DO IMPONDERÁVEL -


por sob as éclogas - de bernardim ribeiro  - a intransigência do inexplicado  -
 

infindável - mente - écran - voz célere - do inábil - alento irreversível -


ante a casa antiga - a inevitabilidade da pedra - os jacintos - a torre inabitável -


no intento da luz - indissolúvel -  os mapas do insano - profussão do imponderável -




quinta-feira, 14 de março de 2013

A SUBMERGIDA - MENTE - IGNOTA MESTRIA - AQUIESCÊNCIA - DO ERRÓNEO -





sob o frémito da noite - inabalável - a submergida - mente - ignota mestria -  (in)saciedade da palavra - aquiescência - do erróneo - viagem inegualada -

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

DO MUNDO MOVENTE, EVEMENCIAL, FÍLMICO EM AURELINO COSTA

Uma poética dos sincretismos icónicos e devocionais


A referência que se destaca entre todas as outras, em “Domingo no Corpo” de Aurelino Costa, é a da realidade fílmica - a imagem-movimento - que coincide também com o material plástico e humano - sob a fluidez (a magia) do sensível. Poemas-fotogramas - campos visuais –textos-chave - onde se (re)afirma(explicitamente)- na sequência de um enredo cinematográfico - um “eidos” do dessasssosego.

Látego filme do que não há

encanastra até ao gume tudo o que nos consome

amor dório

estardalho lume



foco a verruga no olho casto

mergulho o cabelo comprido no lago do teu

unto a zinco o seio no húmus da luz sistina dos séculos



quando?, até quando sacro orvalho da manhã d`outono

onde dispo o sonho?



(“o dia de hoje!”)

 
Percebemos delinear-se aqui uma poética ancorada num ascetismo hiperbólico - uma (capital) depuração da linguagem - onde se aglutinam metáforas da materialidade ou da vida orgânica (conquanto evemenciais). Que é, pois, rigorosamente, uma poesia da obliquidade - do quântico - que se reclama do campo do (in)dizível. Ela exibe um certo compromisso de purificação, conversação e iniciação: coloca-se regulado pela empiricidade do corpo enquanto desejo (que não é apenas polimorfo e perverso é também mórbido).



ultimou insaciável a encomenda:

o meu futuro é a morte.



em girândola fosca piscou argonauta e saltarico



na engrenagem em válvula submeteu-se ao futuro

prescrito na gôndola da memória descascou a língua

muito calmamente como quem aguça a farpa

mostrando a omoplata a descoberto da noite

entoa uma gargalhada onde peristilo alberga

a grande metáfora da purificação



(“o dissolver”)

 
Do ápice (retiano) visionário

Consideremos, antes do mais, a persistência de uma escrita - em escala microscópica - no ápice (retiniano) visionário –halo (impulsivo) psicótico -da “inscrição originária”. Assim se esboça uma poética das intensidades e das fulgurações –das múltiplas e indefinidas intersecções –dos “puzzles”ou imagens(sur)reais. Sucintamente: uma poesia onde se descarta a circularidade viciosa da mente (rescógita). Efectivamente, este poemário, situa-se num plano em que se conciliam a percepção inconsciente e subliminar. Trata-se de uma escrita compulsiva, tomada como um todo, que nos remete à evanescência do tempo. Aqui se conjuga – como se supõe - para usar as palavras de André Green em “LesChaînes d ` Éros” - a força (dinâmica da pulsão) com o sentido (vectorizado pelas representações de palavra da fala).



Agasalhei a febre líquida em antuérpia

e balbuciei o nome da rã

por lagosta



não mais a leprosaria dos escombros

mediu a aresta do gozo

prosélito recordo uma mão metálica

que me faz subir a estação

e engrossar a língua de tanto gemer



até o confesso da chalaça

aquilatou ideias

como falar papas?



Mistura-se sangue em gema d’ ovos

e leva-se ao forno a alta temperatura

até que o vapor condense

no fundo da boca



(“uma febre fenótipa das bruxas elas”)


Da pulsão do real e do catolicismo afectivo

A poesia de Aurelino Costa surge-nos, em suma, inspirada no uno-todo - a ideia de cosmos - num tempo em que a natureza foi dessacralizada. Podemos falar, no fundo, de uma poética de teor religioso (existencial) que - sem fazer apelo à “hipótese Deus”- nos surge identificada com a proclamação da palavra (desfilando suas experiências da quotidianeidade e dos objectos comuns poetizados - ou, mais simplesmente, dos cenários dos animais e da terra animada). É, todavia, a partir do desejo (deslizante) e da linguagem (movente) que podemos deduzir a “pulsão do real” nesta escrita. Que incorpora, desde o início, uma tensão entre o sagrado e o profano. Nas projecções e introjecções de um catolicismo afectivo (longe das predisposições beatas, dogmatistas, obscurantistas, de ghetto), é crucial falar, se se preferir, de uma obra do detalhe minucioso - consubstanciando um expressionismo abstracto - tensional. Podemos descortinar núcleos metafóricos, rastrear influências, supostas ou reais, enquanto registo ou captura da vivência humana.Parte-se da “experiência absoluta” que, como assinala p. ex. Emmanuel Levinas, “não é desvelamento, mas revelação”.



o silêncio mármore do lampadário

arde

enquanto move líquido a fala de bispo

poderei ressuscitar a cobra aos pés da santa



- a garupa teme os salmos mais tensos



como oscilar entre o martírio renegado

e a comunhão dos hospícios?



move-me o perímetro da testa…



por litro?



- entre arcanjos?



(“gominhos d`alho doce”)


da paradoxalidade e do fatum

Começamos a poder elucidar, em pormenor,a natureza e o alcance desta poética de acoplamentos (inusitados) - sob o signo da paradoxalidade - mas onde se pressupõe, desde o início, o fatum - o “sentimento trágico da vida” (que experimenta o ser humano).



estender as mãos

no peito elegíaco da memória



debruçar sobre as anémonas

neste dia de tragos húmidos e verdes



de sol borracho e intempéries



colher hálitos de begónias selvagens

e não morrer



há um pathos maior

e coagulador



neste fado



(“à excepção”)

 
A escrita de Aurelino enraíza-se na escuta poética da natureza. É preciso reconhecer que a antiga aliança foi quebrada. Na “relevância” - na pertinência e na actualidade da psico(pato)logia - onde a “coisa em si” é o ser humano. E é exactamente uma escrita elegíaca e melancólica (no seu foco próprio e sentido amplo) que também tem fontes arcaicas e religiosas (sincretismos icónicos e devocionais). O aspecto penitencial de alguns dos seus textos exerce, muitas vezes, uma função terapêutica.

 
Da intentio de desconstrução e do “zoo humano”

Uma escrita de concisão verbal - no seu intentiode des-construção - onde se descobre o “zoo humano” - o “parque zoológico” (na fórmula de Peter Sloterdijk) - onde se interpõe a (re)consideração radical do humano. Será útil que nos detenhamos no carácter ambíguo e complexo da sua linguagem - no continuum situacional do que nos transporta ao animal humano ou o que podemos chamar pathos: por um lado, o fluxo caótico do real, a incompletude ontológica; por outro lado, o vazio, o abismo onto-existencial que atravessa e define o homem. No seu influxo lírico e religioso onde se amalgama o tempo não-conciliado - o caos-cosmos - a imagem-movimento (referida ao sublime) e uma certa hybris (sensível, pensante) - descortinamos, no entanto, lógicas seminais



derramo sobre o tojo

a sede e o veneno



lavar-me-ei mais tarde

o meu corpo etiquetado

aproxima-se de outro

aguarda, o costume.



qual o lado da verdade quando se alapa

e trunca sobre o poder sua farpa de origem:

ou morres ou és sacana, estás comigo ou és contra mim?



(“lavar-me-ei mais tarde”)

 
do proprium, do si, do self

 
Os seus poemas interpelam, circularmente, se assim podemos dizer, o homem - do latim homo - cuja etimologia é da mesma raiz da palavra húmus (terra) - que padece de uma essencial fragilidade e transporta em si o inusitado e o (des)integrativo. O incontestável é que - na sua escrita - entrecruza-se a referência a uma atmosfera subjectiva de enaltecimento e revelação da humana conditio - através da path-ética - onde se restitui à psychè o seu lugar próprio no composto humano. Mas neste caso a dialéctica da individuatio - do proprium, do si, do self - a (in)vulgaridade do existir. Tocamos, aqui, no reconhecimento de nossa dependência e vulnerabilidade. Não se pode perder de vista o importante facto de que somos seres únicos e irrepetíveis - intrinsecamente feitos de ilusões e - havemos de concordar - falíveis - permeáveis aos erros - esmagados mais uma vez pelas “grandes narrativas”. Vemo-nos, claramente, confrontados com a (im)possibilidade da pureza e do milagre: a própria inacessibilidade da felicidade e da redenção (salvação).

 
da compulsão à repetição

 
Em Aurelino Costa defrontamo-nos com os nossos actuais descontentamentos - para usar uma expressão de Tony Judt - se nos confinamos à política do medo - o culto da privatização - e, portanto, o feiticismo do dinheiro e da mercadoria. Apercebemo-nos desse singular paradoxo: a solidão efectiva, a psicose como forma de existir (Binswanger). Pense-se, por exemplo, na tendência à repetição ou compulsão de repetição que é - segundo Freud – a característica mais relevante do neurótico.



mar ingente os hipermercados

bocas de fome as embalagens

as luzes que tremem são teus olhos

incapazes de (a)pagar a electricidade



o design do nada nas palmas o silêncio

que fazem no verde código verde?

Oficiar avés na ladainha dos preços?



passam de carro as caras aquecidas

não tens lugar para o choro, resta-te o frio

dos cartões ninguém se descarta:

contaste 12 visas e masters na carteira

que encontraste sem código



alguns vizinhos teus do sub

murcham a óptica em direcção à esperança.



tu desligas as tuas luzes.

talvez não acordes.



(“mar ingente os hipermercados”)


 
do (in)vertebrado

Cabe ainda uma reflexão sobre o fulcro do desejo (da voluptuosidade) nesta escrita impregnada da afirmação objectal. Aqui radica a dávida (agapé), a caritas, o sacramental, a fidelidade vinculativa. Parte-se várias e reiteradas vezes da sacralização da vida quotidiana - da errância e dos meandros do mundo movente e onírico (a face bivalente das coisas) - da convicção nobre e antigaa de que tudo está ligado. Dito isto, será fácil de compreender uma poética(in)vertebrada -da veneração e da vibração panteísta - no compromisso do que mais importa (Plotino)- impregnada da beatitude e do desvario - da instância cinematográfica-musical -a consabida extroversão. Seja como for, o certo é que a poética de Aurelino Costa coloca-se na direcção de um reconhecimento da primazia do impulso, do corpo, do sensorial, do genital.



Subtraído e alheado o testículo anelar

sobe e desce a súbita garganta

descarrega o pássaro

na bota



o apostolado em orgia branqueia o vinho



os congregados adormecem

que repouso



(“sem, tudo é mais tranquilo e doce”)

 
da iluminação e do (ir)representável

 
Haveria muito a dizer sobre um tipo de escritura poética que interiorizou a veemência da “iluminação profana” (Walter Benjamin), pressupõe um privilégio do emocional sobre o cognitivo..E que permanece, rigorosamente, uma poética da “circunstância” biográfica” (onde se perscruta, no seu aparato, o “script” da vida). Neste contexto, reveste-se de particular ênfase a relevância concedida ao corpo pulsional (sexuado) apossado pela linguagem e que é fonte de uma potência subversiva (o daimon, o oráculo interior). Encontramos aqui também claramente subjacente a noção de que o conceito de (com)pulsão pressupõe a linguagem e a ordem simbólica. Não há dúvida de que é o surgimento da palavra que faz emergir, concomitantemente, a ordem humana. Lembremo-nos que a escrita - que se interpõe no caminho do corpo - passivo - subjectivo -é, em diferentes níveis, a metáfora do silêncio Pressupõe-se que o vazio é o silêncio da palavra. Assim se encontram misturadas a linguagem depurada (dentro do cânone da poesia clássica) e as expressões de um poetizar desviante (entenda-se: impuro, “bizarro”, “niilista”). A ênfase está na sua associação ao indecifrável. Já o cut-up, a montagem, no pressupor a escrita como traço do (ir)representável, que dá voz (e a voz) ao (in)comunicável.




terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

NOSTALGIA - DO SOLÍCITO - LYROSOPHIE - CÓDICES DO AÉREO -


como fixar os mapas - do inabalável -  na iminência do mar - de sargaços -  escutar  - seu corpo - inábil - do ar - da água - o incomensurável -

sob o inerme - a pronunciação que não cessa - a paráfrase infinita - voz do intérmino - nostalgia - do solícito -
 
lyrosophie -  injunção- (sobre)posição - da palavra - ténue saciedade  - da pedra irremovível  - a areia e o mar - códices do aéreo -  
   
 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

SAL DO IRREVERSÍVEL - SERPE DE OURO - O DILÚVIO QUE TARDA - SERPE DE OURO - PEDRA IRREDUTÍVEL -


resta-me a sucinta câmara - as fotos - do promontório -  sobre o sal irreversível - os mapas - que não decifro - ilha - serpe de ouro - pedra irredutível - o dilúvio que tarda - num corpo só - a voz incompreensível? -
 

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

POEMA-COSMO - DO ELÍPTICO - ORNATO -


ante o  que se aparta - no accentus  - da voz - a lucidez do esparso -
o poema-cosmo  - do elíptico - ornato - deserto inapreensível ?


sobre o dizer - do insone - a corça branca - o prado - ininterrupto -
epigrammata - entreacto - copo de dados - nuvens do inalterável -
 

 
 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

ESCORÇO - DO ENTREVISTO - CIRCUNLÓQUIO -


sob o  irremediável esvaimento  - reclinar-me na pedra - as altas torres - para apreender o plausível -  a profusão das figuras - dúplices  - signos - do inesgotável - variações sobre nada - escorço - do entrevisto - circunlóquio - o que nos instiga- ao animal inalcançável - o alento do unicórnio -
 
 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

IMAGENS - DO INSANO - PENTAGRAMA - PUPILA - CEGUEIRA IRREMEDIÁVEL -


sobre as imagens - do insano -  discernir o frémito - da luz - dos holofotes - a  figura  inalcançável - e remover a serpe - inescrutável - pedra sem remate - neste afã do pentagrama - minha pupila - quietude  da  cegueira -  irremediável -