Dourada a Têmpera
segunda-feira, 5 de janeiro de 2015
domingo, 13 de abril de 2014
DO SENTIMENTO "DE SI" E DO (SOBR)EROTISMO EM ALFONSO LÁUZARA MARTÍNEZ
“Noite ~ Día” de Alfonso Láuzara
Martínez (Q de Vian Cadernos, A Porta
Verde do Sétimo Andar, 2013) conecta-nos
com a simbólica terrestre e saturnina, aquática e lunar, aérea e mercurial,
ígnea, solar e intelectual (ao menos “em
tese”). Redescobre-se justamente o pendor de uma escrita erótica - de per
si - da libido - onde se privilegia a língua (galega) como desejo. Seja lícito, porém, pôr outra vez em foco uma arque-tipologia das polaridades dialécticas
e das antinomias. Identifica-se - eventualmente - com o complexo de valorações
contraditórias e complementares. E, contudo, uma poemática que, no seu
conjunto, associa-se a um mosaico de estados afectivos (restringindo o sentido
das projecções do (in)consciente). O que aqui emerge é uma vertente
mítico-simbólica (partindo das estruturas arcaicas e imemoriais). E, todavia, o
onírico, o amor, filos, o corpo como ser sexuado.
duplo curso
Dado
o quadro da fenomenologia do imaginário - o âmbito restrito, - só por si - , da
ontologia simbólica - a vis poética -
poderemos estabelecer, resumidamente, de que maneira se desenvolve a dialéctica
da justaposição dos contrários (ou dos contraditórios)? Mas onde é preciso
considerar a configuração de um duplo curso - a síntese disjuntiva - onde se
evoca a quântica sexual - as zonas de indeterminação (intersecção) do masculino
e do feminino, o sentimento de si ?
macro(micro)cosmos
Notar-se-á,
de passagem, que a maioria das visões cosmogónicas indicam que a noite procedeu
o dia. Poder-se-ia referir a cultura grega que forjou a crença de que a
noite é filha do caos. E que da escuridão e da morte nasceu - em definitivo - o
amor (a ordem e a beleza, como tal). E assim o amor - repito - deu origem à luz e ao seu companheiro
o dia radioso. Chegamos, entretanto, à questão dos seis “épocas” e do tempo
requerido pela criação - documentado no livro hebraico Beréshit (No Princípio, Gênesis) - em que o sol e a lua só surgem
de per si no “quarto dia”. Assim, por certo, a palavra hebraica "dia" (yom) pode implicar um largo período de tempo. Resulta evidente que aqui "dia" abarca mais que vinte e quatro horas. Se bem que
ainda se possa ainda estabelecer uma distinção - seguindo a tradição
extremo-oriental - entre as duas partes do mundo que se complementam - o céu e
a terra - o yang (luminoso) e o yin (escuro) - é crucial compreender que
- neste sintético quadro de referência - para cada ser existe uma analogia entre
o macro-cosmos e o micro-cosmos, as duas metades do andrógino primordial.
coincidentia oppositorum
O
que justifica a semiosis de uma
escrita pulsional que - para lá das proposições significantes - remete-nos (no
sentido lato do termo) a uma polaridade de sentido e, por conseguinte, a uma dialéctica arcana (auto-implicativa)? Na
base deste poemário - em que se cristaliza a forma supplementum do
impulso sexual originário - está a proeminência de um binómio onde coexistem hic et nunc a pulsão; o estado de prazer
e o seu correlato, o desprazer; a irrupção do desejo, que se exprime sob a
forma de estado de expectativa e de busca, alimentado por representações
(inconscientes ou conscientes).
síntese lírica
Reconhecer-se-á
a pre-figuração de um título antinómico - da correspondentia - luz e treva
- que veicula, ademais, uma dimensão originária, fundante. Precisemos, ainda, que este
poemário reproduz a “con-dicção” lírica - ou é a explicitação da coincidentia oppositorum. Compreende a
articulação de um (sobr)erotismo - assente numa visão processual binária - permite-nos
elucidar um arquétipo cósmico. Um livro
indispensável onde não podemos deixar de destacar as ilustrações de Elisabete Pires Monteiro
que tem por correlato as fulgurações do conhecimento do outro: o amor (eros). Porquanto,
nesse entrelaçamento, o corpo torna-se linguagem e a linguagem inscreve-se na
materialidade do corpo.
Alexandre Teixeira Mendes
Porta XIII - Vila Nova de Cerveira - 15 de Março de
2014
quinta-feira, 3 de abril de 2014
“XAMANISMOS” DE ELISABETE PIRES MONTEIRO:
A METACRONICIDADE OU O PRIMITIVISMO DO COMPLEXO
“O ser humano é um animal que não pode viver unicamente na temporalidade terrestre e ele procura articular essa temporalidade sobre uma vida cósmica ou eterna (metacronicidade)”
Jean Marejko, Le Roi du Technocosme est nu in Temps Cosmique Histoire Humaine, Paris, Vrin, 1996, p. 95-96
Elisabete Pires Monteiro (Sully-sur-Loire, 1974) condensa em si uma miríade de associações no enraizamento de temas arcaicos (cosmogónicos). Pode ainda reconhecer-se esse estatuto de uma arte da (intra)verificação da linguagem religiosa e, portanto, das figuras-arquetípicas. Operando subliminarmente nas fissuras da significação, ora com traços iniciáticos e terapêuticos, ora revestindo uma dimensão de depuração (tecnicista e intelectual), a sua pintura é a revelação do primitivismo do complexo, da cosmosofia e da aventura metapsíquica. De facto, a ênfase de uma arte codificada (gaia ciência ou gaio saber) assente numa (proto)linguagem associada ao onírico - o místico-religioso - a transmutação e a metamorfose - intercepta a instância do diferencial feminino (associada ao poético-literário e ao cosmovisional-simbólico). E aqui é pertinente evocar a Terra-Mãe - enquanto categoria prévia - e cume de acesso a uma visão tipicamente humana (humanada) onde se apreendem - directa e imediatamente - os fenómenos catatónicos ou subterrâneos (nocturnos) e metatónicos, urânicos ou celestes (transcendentes). Conexo com os pressupostos de uma simbólica em que o corpo é terráqueo, o espírito solar-celeste, e a alma, lunar.
Co-implicação simbólica
Convém sublinhar que a criação pictórica de Elisabete Pires Monteiro partilha até ao extremo uma visão do mundo resolutamente transversal, surreal, côncava, reversiva. A lógica estética-religiosa ou metamorfótica é algo constitutivo, essencial, estrutural, nesta pintura. E, evidentemente, a metacronicidade. De resto, se se considerarem mais de perto estes quadros - na sua co-implicação simbólica - pode ver-se aqui claramente a sua associação ao arquetípico da gaia, mater, mãe ou elemento feminino, receptor, fecundável, Mais do que um mero exercício assente nas técnicas convencionais ou experimentais, a sua pintura - na ligação ao pensamento mágico - fixa a nossa atenção nas abordagens do xamanismo que está profundamente enraizado na experiência extática visionária. Desde logo, em consonância com o que Roger Bastide chama o “sagrado selvagem”. Parece-nos, no entanto, que no seu trabalho - “em série” - entrelaçam-se as marcas do jogo do mundo e do jogo da criação (poesis). O vínculo ao xamanismo - a religiosidade naturalista assente nas visões proféticas, conhecimento judicioso ou a visão em voo - deixa-se facilmente apreender por uma análise compreensiva.
Vidente e guardião das tradições
“Xamanismos” – título da exposição – enquanto partilha de uma pintura-padrão - mítico-sacral e totémica – cognoscitiva - encruzilhada do sonho como religião da mente - é fundamentalmente uma homenagem ao xamã e, em todo o caso, o seu mundo tribal (na valorização - a partir das forças invisíveis do universo - do numinoso- da demanda do centro sagrado do mundo - a árvore cósmica). Retenhamos apenas, por agora, um conjunto de quadros-variações, onde os xamãs não são meramente capturados; são tornados uma tradição viva – como “especialistas do sagrado” - que trabalham secretamente técnicas especiais - que incluem jejum, meditação e o uso de substâncias químicas – ervas intoxicantes – botânica dos alucinogénios sagrados - capazes de dispararem estados alternativos de consciência. Consideremos mais de perto o seu papel fundamental de adivinho, vidente, mágico, poeta, cantor, artista, profeta da caça e do tempo, guardião das tradições e, por consequência, curandeiro das doenças do corpo e do espírito. Reencontramos neste ponto o médico-ervanário manipulando complexas misturas terapêuticas e farmacológicas (com base nos critérios de que as plantas psicotrópicas são mágicas e sagradas).
Mundo onírico arcaico
Se quisermos traçar o quadro destas pinturas - variações arquétipas ou imagens primitivas - , há, pois, antes de mais, que determinar aquilo que se considera como mundo do xamã. Não é esse aqui o nosso propósito. Quando nos apercebemos - esforçadamente - dos esteios e dos caminhos duma arte plena de reminiscências e de projecções (iluminação involuntária dos desvãos e subsolos do nosso mundo psíquico por exemplo), apercebemo-nos, assimilando-a a um mundo onírico arcaico, “eterno” e “ubíquo” (como diria C.G. Jung). Todos sabemos da importância extraordinária que, nestes dois últimos séculos, foi tomando o estudo da história das religiões sobre o sagrado. A etno-história e a antropologia - na sua reflexão sobre a trajectória da humanidade - mostraram-nos que as mais antigas representações artísticas tiveram o seu ponto de partida nas preocupações mágico-religiosas. Neste sentido, é de salientar que estas imagens desenhadas, por assim dizer, em plataformas e em nichos naturais - do tipo santuário - na sua precisão técnica - enquanto tentativa de retractar o movimento cinemático - aparecem-nos sobretudo como figuras super-realistas que carregam uma crença forte na eficácia da acção simbólica.
“Medecine-man”, “brujo”
O importante e decisivo dos desenhos sagrados gravados - no fundo das cavernas - está no facto de nos revelarem não somente o fulcro da auto-comunicação com o “numinoso” - a divindade em toda a amplitude da sua realidade - como alicerce das forças que unem homens e animais. E, consequentemente, a consignação da chamada “meta-experiência” mística, mas também da exaltação interior e, concludentemente, da crença fundada do que se não vê - as realidades espirituais. Aqui se entreabre um campo imenso - o da religião arcaica - o que é a definição mesma da religião primitiva - sob o influxo do xamã (que representa afinal o guardião genuíno e inflexível do saber tradicional na ligação ao mundo natural e espiritual) . Ele assume-se, em suas orientações fundamentais, como o especialista de plantas sagradas, o “medicine-man” e o “brujo”. O que Mircea Elíade não cessa de reconhecer é, se se quiser, a sintonia que existe entre o “homem” e o “ser religioso”. Mantém, inegavelmente, o parecer de que o religioso não é um “estádio”, mas um elemento - voltemo-lo a dizer - da “consciência humana”. Ancorado nesta perspectiva assinala, por outro lado, que as formas (algumas formas) do sagrado podem ser criações culturais e são-no de facto..
Alexandre Teixeira Mendes
Porto, 3 de Abril de 2014
segunda-feira, 24 de março de 2014
MAR DO INTÉRMINO - RASTRO DO SAL - COMETA HALLEY -
sob a luz do exíguo - essas pedras do inflexível -
ilhéu - espuma - mar do intérmino - cometa halley -
VIA LÁCTEA - STILLAE TEMPORUM -
via láctea - neurastenia - stillae temporum -
êxtase da cal - rastro do sal - palavra ilegível -
MONTANHAS DO INTACTO - DISTENSIO ANIMI -
as montanhas do intacto - relâmpagos - chão inevidente -
o que se furta à cabra - alada - do inábil - distensio animi -
VOZ DO INEPTO - O DESERDADO
ignoro a
voz do inepto - seu código secreto - a cegueira -
sob a palavra anómala - da intransigência - o deserdado -
sob a palavra anómala - da intransigência - o deserdado -
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
AS NAVES DO IMPONDERÁVEL - VOZ ACLARADA - SOM INDUBITÁVEL -
quem - confinado
a tiro - persiste junto ao
que soçobra -
entre a argúcia - da pedra - as naves do imponderável ? -
sob a luz inigualável - subsiste no aéreo - voz aclarada -
vórtice do cemitério marinho - hidra - som indubitável ? -
entre a argúcia - da pedra - as naves do imponderável ? -
sob a luz inigualável - subsiste no aéreo - voz aclarada -
vórtice do cemitério marinho - hidra - som indubitável ? -
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
S. GENEVIÉVE - ABELARDO - UM OUTRO LÁZARO -
sobre a montanha de s. geneviéve permaneci errante - filósofo de piedade - um homem só -
amigo assíduo de abelardo - santo desconhecido - perscrutei o irrevogável - a indolência -
hei-de livrar-me desta casa - de traves de carvalho - onde outrora o júbilo me abandonou -
por esta noite suspendo a argúcia - desisti de crer - no imponderável - sou - um outro lázaro -
amigo assíduo de abelardo - santo desconhecido - perscrutei o irrevogável - a indolência -
hei-de livrar-me desta casa - de traves de carvalho - onde outrora o júbilo me abandonou -
por esta noite suspendo a argúcia - desisti de crer - no imponderável - sou - um outro lázaro -
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
REGISTO DO DIMINUTO - J.S. BACH - O IMPERCEPTÍVEL GRAMOFONE -
1)
no registo do diminuto - escutas - j.s.bach -
tardia desesperação - voz do condicional -
2)
dia após dia - o imperceptível gramofone -
som - do minucioso - pulsar do inaudível ? -
no registo do diminuto - escutas - j.s.bach -
tardia desesperação - voz do condicional -
2)
dia após dia - o imperceptível gramofone -
som - do minucioso - pulsar do inaudível ? -
3)
por sobre o rasto do insone - persistes imóvel -
na quietude do ar - a lucidez do exasperado -
4)
junto do mar - de sal - o branco irrevogável -
a retina do assíduo - escassez do irreconhecível ? -
por sobre o rasto do insone - persistes imóvel -
na quietude do ar - a lucidez do exasperado -
4)
junto do mar - de sal - o branco irrevogável -
a retina do assíduo - escassez do irreconhecível ? -
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
INEXAURÍVEL SEGREDO - VOZ DE PERSÉFONE -
sob
o inexaurível segredo - a voz de perséfone -
o
que se entrevê - junto à escrita - do
insone -
por
sobre o intento da palavra - o
submergido -
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
DICTUM ALTHENTICUM - RICTÚS DE MALLARMÉ - A INADVERTIDA VOZ - DE HERODÍADE -
1.
nos confins da mente - irrevogável - o tigre - o rictús de mallarmé -
o que perpassa - no dictum althenticum - essa especulação indefinível
? -
2.
da elegia te manténs - música láctea - inarticulada voz - de herodíade -
pressuroso de inactualidade - esquecido de ser - a histeria - o utérus ? -
3.
permanecer na película - cd-rom - vácuo - peyote aclarado -
zapping - sonho-visão - equação - a terminologia do indizível ? -
2.
da elegia te manténs - música láctea - inarticulada voz - de herodíade -
pressuroso de inactualidade - esquecido de ser - a histeria - o utérus ? -
3.
permanecer na película - cd-rom - vácuo - peyote aclarado -
zapping - sonho-visão - equação - a terminologia do indizível ? -
4.
sob o som que soçobra - na obstinação do inábil - submerso inexprimível -
a incumbência da palavra - insubstituível - ímpeto do signo - inverossímel? -
quinta-feira, 11 de julho de 2013
CIFRA - DITAME OBSCURO -
o que
aflui - na pedra e cal - espaço - acúmulo - de figuras
-
cúpula - nublada - do sumptuoso - que transpus - ranhuras -
cúpula - nublada - do sumptuoso - que transpus - ranhuras -
pluma de ave - dragão - serpe - recôndita - do imponderável -
ditame obscuro - prédica - cifra - incumbência do inexorável -
terça-feira, 9 de julho de 2013
TÉSSERA DO LATENTE - INFALÍVEL IGNOTO -
tácita
mente - téssera do latente - incomensurável -
infalível
ignoto - tácito que exalto - assiduamente?
segunda-feira, 13 de maio de 2013
INCONGRUÊNCIA DA FALA - O OSSUÁRIO -
quem
se detém - na nudez - do peremptório - abdicando
da voz - permanece no recôndito - sobre o deserto - ressurge na incongruência -
da fala - seu túmulo de pedra - o ossuário -
segunda-feira, 15 de abril de 2013
ÉCLOGAS DO EXANGUE - PROFUSSÃO DO IMPONDERÁVEL -
por sob as éclogas - de bernardim ribeiro - a intransigência do inexplicado -
infindável - mente - écran - voz célere - do inábil - alento irreversível -
ante a casa antiga - a inevitabilidade da pedra - os jacintos - a torre inabitável -
no intento da luz - indissolúvel - os mapas do insano - profussão do imponderável -
quinta-feira, 14 de março de 2013
A SUBMERGIDA - MENTE - IGNOTA MESTRIA - AQUIESCÊNCIA - DO ERRÓNEO -
sob o frémito
da noite - inabalável - a submergida - mente - ignota mestria - (in)saciedade da palavra - aquiescência - do
erróneo - viagem inegualada -
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
DO MUNDO MOVENTE, EVEMENCIAL, FÍLMICO EM AURELINO COSTA
Uma poética dos sincretismos icónicos e
devocionais
A referência que se destaca
entre todas as outras, em “Domingo no Corpo” de Aurelino Costa, é a da realidade
fílmica - a imagem-movimento - que coincide também com o material plástico e
humano - sob a fluidez (a magia) do sensível. Poemas-fotogramas - campos visuais
–textos-chave - onde se (re)afirma(explicitamente)- na sequência de um enredo
cinematográfico - um “eidos” do dessasssosego.
Látego filme do que não há
encanastra até ao gume tudo o que nos
consome
amor dório
estardalho lume
foco a verruga no olho casto
mergulho o cabelo comprido no lago do
teu
unto a zinco o seio no húmus da luz sistina
dos séculos
quando?, até quando sacro orvalho da manhã
d`outono
onde dispo o sonho?
(“o dia de hoje!”)
Percebemos delinear-se aqui uma
poética ancorada num ascetismo hiperbólico - uma (capital) depuração da
linguagem - onde se aglutinam metáforas da materialidade ou da vida orgânica
(conquanto evemenciais). Que é, pois, rigorosamente, uma poesia da
obliquidade - do quântico - que se reclama do campo do (in)dizível. Ela
exibe um certo compromisso de purificação, conversação e iniciação: coloca-se
regulado pela empiricidade do corpo enquanto desejo (que não é apenas polimorfo
e perverso é também mórbido).
ultimou insaciável a
encomenda:
o meu futuro é a morte.
em girândola fosca piscou
argonauta e saltarico
na engrenagem em válvula
submeteu-se ao futuro
prescrito na gôndola da
memória descascou a língua
muito calmamente como quem
aguça a farpa
mostrando a omoplata a
descoberto da noite
entoa uma gargalhada onde
peristilo alberga
a grande metáfora da
purificação
(“o dissolver”)
Do ápice (retiano) visionário
Consideremos, antes do mais, a
persistência de uma escrita - em escala microscópica - no ápice (retiniano)
visionário –halo (impulsivo) psicótico
-da “inscrição originária”. Assim se esboça uma poética das intensidades
e das fulgurações –das múltiplas e indefinidas intersecções –dos
“puzzles”ou imagens(sur)reais.
Sucintamente: uma poesia onde se descarta a circularidade viciosa da mente
(rescógita). Efectivamente, este poemário, situa-se num plano em que se
conciliam a percepção inconsciente e subliminar. Trata-se de uma escrita
compulsiva, tomada como um todo, que nos remete à evanescência do tempo. Aqui se
conjuga – como se supõe - para usar as palavras de André Green em “LesChaînes d
` Éros” - a força (dinâmica da pulsão) com o sentido (vectorizado pelas
representações de palavra da fala).
Agasalhei a febre líquida em
antuérpia
e balbuciei o nome da rã
por lagosta
não mais a leprosaria dos
escombros
mediu a aresta do gozo
prosélito recordo uma mão metálica
que me faz subir a estação
e engrossar a língua de tanto
gemer
até o confesso da chalaça
aquilatou ideias
como falar papas?
Mistura-se sangue em gema d’ ovos
e leva-se ao forno a alta
temperatura
até que o vapor condense
no fundo da boca
(“uma febre fenótipa das bruxas
elas”)
Da pulsão do real e do catolicismo
afectivo
A poesia de Aurelino Costa
surge-nos, em suma, inspirada no uno-todo - a ideia de cosmos - num tempo em que
a natureza foi dessacralizada. Podemos falar, no fundo, de uma poética de teor
religioso (existencial) que - sem fazer apelo à “hipótese Deus”- nos surge
identificada com a proclamação da palavra (desfilando suas experiências da
quotidianeidade e dos objectos comuns poetizados - ou, mais simplesmente, dos
cenários dos animais e da terra animada). É, todavia, a partir do desejo
(deslizante) e da linguagem (movente) que podemos deduzir a “pulsão do real”
nesta escrita. Que incorpora, desde o início, uma tensão entre o sagrado e o
profano. Nas projecções e introjecções de um catolicismo afectivo (longe das
predisposições beatas, dogmatistas, obscurantistas, de ghetto), é crucial falar,
se se preferir, de uma obra do detalhe minucioso - consubstanciando um
expressionismo abstracto - tensional. Podemos descortinar núcleos metafóricos,
rastrear influências, supostas ou reais, enquanto registo ou captura da vivência
humana.Parte-se da “experiência absoluta” que, como assinala p. ex. Emmanuel
Levinas, “não é desvelamento, mas revelação”.
o silêncio mármore do lampadário
arde
enquanto move líquido a fala de
bispo
poderei ressuscitar a cobra aos pés da
santa
- a garupa teme os salmos mais tensos
como oscilar entre o martírio
renegado
e a comunhão dos hospícios?
move-me o perímetro da testa…
por litro?
- entre arcanjos?
(“gominhos d`alho doce”)
da paradoxalidade e do fatum
Começamos a poder elucidar, em
pormenor,a natureza e o alcance desta poética de acoplamentos (inusitados) - sob o signo da paradoxalidade - mas onde se
pressupõe, desde o início, o fatum - o “sentimento trágico da vida” (que
experimenta o ser humano).
estender as mãos
no peito elegíaco da memória
debruçar sobre as anémonas
neste dia de tragos húmidos e
verdes
de sol borracho e intempéries
colher hálitos de begónias
selvagens
e não morrer
há um pathos maior
e coagulador
neste fado
(“à excepção”)
A escrita de Aurelino
enraíza-se na escuta poética da natureza. É preciso reconhecer que a antiga
aliança foi quebrada. Na “relevância” - na pertinência e na actualidade da
psico(pato)logia - onde a “coisa em si” é o ser humano. E é exactamente uma
escrita elegíaca e melancólica (no seu foco próprio e sentido amplo) que também
tem fontes arcaicas e religiosas (sincretismos icónicos e devocionais). O
aspecto penitencial de alguns dos seus textos exerce, muitas vezes, uma função
terapêutica.
Da intentio de desconstrução e do “zoo
humano”
Uma escrita de concisão verbal
- no seu intentiode des-construção -
onde se descobre o “zoo humano” - o “parque zoológico” (na fórmula de Peter
Sloterdijk) - onde se interpõe a
(re)consideração radical do humano. Será útil que nos detenhamos no
carácter ambíguo e complexo da sua linguagem - no continuum situacional do que
nos transporta ao animal humano ou o que podemos chamar pathos: por um lado, o
fluxo caótico do real, a incompletude ontológica; por outro lado, o vazio, o
abismo onto-existencial que atravessa e define o homem. No seu influxo lírico e
religioso onde se amalgama o tempo não-conciliado - o caos-cosmos - a
imagem-movimento (referida ao sublime) e uma certa hybris (sensível, pensante) -
descortinamos, no entanto, lógicas seminais
derramo sobre o tojo
a sede e o veneno
lavar-me-ei mais tarde
o meu corpo etiquetado
aproxima-se de outro
aguarda, o costume.
qual o lado da verdade quando se
alapa
e trunca sobre o poder sua farpa de
origem:
ou morres ou és sacana, estás comigo ou és
contra mim?
(“lavar-me-ei mais
tarde”)
do proprium, do si, do self
Os seus poemas interpelam,
circularmente, se assim podemos dizer, o homem - do latim homo - cuja etimologia
é da mesma raiz da palavra húmus (terra) - que padece de uma essencial
fragilidade e transporta em si o inusitado e o (des)integrativo. O incontestável é que - na sua escrita -
entrecruza-se a referência a uma atmosfera subjectiva de enaltecimento e
revelação da humana conditio - através da path-ética - onde se restitui à psychè
o seu lugar próprio no composto humano. Mas neste caso a dialéctica da
individuatio - do proprium, do si, do self - a (in)vulgaridade do existir.
Tocamos, aqui, no reconhecimento de nossa dependência e vulnerabilidade. Não se
pode perder de vista o importante facto de que somos seres únicos e irrepetíveis
- intrinsecamente feitos de ilusões e - havemos de concordar - falíveis -
permeáveis aos erros - esmagados mais uma vez pelas “grandes narrativas”.
Vemo-nos, claramente, confrontados com a (im)possibilidade da pureza e do
milagre: a própria inacessibilidade da felicidade e da redenção (salvação).
da compulsão à repetição
Em Aurelino Costa
defrontamo-nos com os nossos actuais descontentamentos - para usar uma expressão
de Tony Judt - se nos confinamos à política do medo - o culto da privatização -
e, portanto, o feiticismo do dinheiro e da mercadoria. Apercebemo-nos desse
singular paradoxo: a solidão efectiva, a psicose como forma de existir
(Binswanger). Pense-se, por exemplo, na tendência à repetição ou compulsão de
repetição que é - segundo Freud – a característica mais relevante do neurótico.
mar ingente os hipermercados
bocas de fome as embalagens
as luzes que tremem são teus olhos
incapazes de (a)pagar a
electricidade
o design do nada nas palmas o silêncio
que fazem no verde código verde?
Oficiar avés na ladainha dos
preços?
passam de carro as caras aquecidas
não tens lugar para o choro, resta-te o
frio
dos cartões ninguém se descarta:
contaste 12 visas e masters na
carteira
que encontraste sem código
alguns vizinhos teus do sub
murcham a óptica em direcção à
esperança.
tu desligas as tuas luzes.
talvez não acordes.
(“mar ingente os
hipermercados”)
do (in)vertebrado
Cabe ainda uma reflexão sobre o
fulcro do desejo (da voluptuosidade) nesta escrita impregnada da afirmação
objectal. Aqui radica a dávida (agapé), a caritas, o sacramental, a fidelidade
vinculativa. Parte-se várias e reiteradas vezes da sacralização da vida
quotidiana - da errância e dos meandros do mundo movente e onírico (a face
bivalente das coisas) - da convicção nobre e antigaa de que tudo está ligado.
Dito isto, será fácil de compreender uma poética(in)vertebrada -da veneração e
da vibração panteísta - no compromisso do que mais importa (Plotino)- impregnada
da beatitude e do desvario - da instância cinematográfica-musical -a consabida
extroversão. Seja como for, o certo é que a poética de Aurelino Costa coloca-se
na direcção de um reconhecimento da primazia do impulso, do corpo, do sensorial,
do genital.
Subtraído e alheado o testículo anelar
sobe e desce a súbita garganta
descarrega o pássaro
na bota
o apostolado em orgia branqueia o
vinho
os congregados adormecem
que repouso
(“sem, tudo é mais tranquilo e
doce”)
da iluminação e do
(ir)representável
Haveria muito a dizer sobre um
tipo de escritura poética que interiorizou a veemência da “iluminação profana”
(Walter Benjamin), pressupõe um privilégio do emocional sobre o cognitivo..E que
permanece, rigorosamente, uma poética da “circunstância” biográfica” (onde se
perscruta, no seu aparato, o “script” da vida). Neste contexto, reveste-se de
particular ênfase a relevância concedida ao corpo pulsional (sexuado) apossado
pela linguagem e que é fonte de uma potência subversiva (o daimon, o oráculo
interior). Encontramos aqui também claramente subjacente a noção de que o
conceito de (com)pulsão pressupõe a linguagem e a ordem simbólica. Não há dúvida
de que é o surgimento da palavra que faz emergir, concomitantemente, a ordem
humana. Lembremo-nos que a escrita - que se interpõe no caminho do corpo -
passivo - subjectivo -é, em diferentes níveis, a metáfora do silêncio
Pressupõe-se que o vazio é o silêncio da palavra. Assim se encontram misturadas
a linguagem depurada (dentro do cânone da poesia clássica) e as expressões de um
poetizar desviante (entenda-se: impuro, “bizarro”, “niilista”). A ênfase está na
sua associação ao indecifrável. Já o cut-up, a montagem, no pressupor a escrita
como traço do (ir)representável, que dá voz (e a voz) ao (in)comunicável.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
NOSTALGIA - DO SOLÍCITO - LYROSOPHIE - CÓDICES DO AÉREO -
como fixar os mapas -
do inabalável - na iminência do mar - de
sargaços - escutar - seu corpo - inábil - do ar - da água - o incomensurável -
sob o inerme - a pronunciação que não cessa - a paráfrase infinita - voz do intérmino - nostalgia - do solícito -
sob o inerme - a pronunciação que não cessa - a paráfrase infinita - voz do intérmino - nostalgia - do solícito -
lyrosophie - injunção- (sobre)posição - da palavra - ténue
saciedade - da pedra irremovível - a areia e o mar - códices do aéreo -
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
SAL DO IRREVERSÍVEL - SERPE DE OURO - O DILÚVIO QUE TARDA - SERPE DE OURO - PEDRA IRREDUTÍVEL -
resta-me a sucinta câmara
- as fotos - do promontório - sobre o sal irreversível - os mapas - que não
decifro - ilha - serpe de ouro - pedra irredutível - o dilúvio que tarda - num corpo só - a voz incompreensível? -
quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
POEMA-COSMO - DO ELÍPTICO - ORNATO -
ante o que se aparta - no accentus - da voz - a
lucidez do esparso -
o poema-cosmo - do elíptico - ornato - deserto inapreensível
?
sobre o dizer - do insone - a corça branca - o prado - ininterrupto -
epigrammata - entreacto - copo de dados - nuvens do inalterável -
sobre o dizer - do insone - a corça branca - o prado - ininterrupto -
epigrammata - entreacto - copo de dados - nuvens do inalterável -
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
ESCORÇO - DO ENTREVISTO - CIRCUNLÓQUIO -
sob o irremediável esvaimento - reclinar-me na pedra - as altas torres - para apreender o plausível
- a profusão das figuras - dúplices - signos - do inesgotável - variações sobre nada - escorço - do entrevisto
- circunlóquio - o que nos instiga- ao animal inalcançável - o alento do unicórnio -
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
IMAGENS - DO INSANO - PENTAGRAMA - PUPILA - CEGUEIRA IRREMEDIÁVEL -
sobre as
imagens - do insano - discernir o
frémito - da luz - dos holofotes - a figura inalcançável
- e remover a
serpe - inescrutável - pedra sem remate - neste afã do pentagrama - minha
pupila - quietude da cegueira - irremediável -
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