“Noite ~ Día” de Alfonso Láuzara
Martínez (Q de Vian Cadernos, A Porta
Verde do Sétimo Andar, 2013) conecta-nos
com a simbólica terrestre e saturnina, aquática e lunar, aérea e mercurial,
ígnea, solar e intelectual (ao menos “em
tese”). Redescobre-se justamente o pendor de uma escrita erótica - de per
si - da libido - onde se privilegia a língua (galega) como desejo. Seja lícito, porém, pôr outra vez em foco uma arque-tipologia das polaridades dialécticas
e das antinomias. Identifica-se - eventualmente - com o complexo de valorações
contraditórias e complementares. E, contudo, uma poemática que, no seu
conjunto, associa-se a um mosaico de estados afectivos (restringindo o sentido
das projecções do (in)consciente). O que aqui emerge é uma vertente
mítico-simbólica (partindo das estruturas arcaicas e imemoriais). E, todavia, o
onírico, o amor, filos, o corpo como ser sexuado.
duplo curso
Dado
o quadro da fenomenologia do imaginário - o âmbito restrito, - só por si - , da
ontologia simbólica - a vis poética -
poderemos estabelecer, resumidamente, de que maneira se desenvolve a dialéctica
da justaposição dos contrários (ou dos contraditórios)? Mas onde é preciso
considerar a configuração de um duplo curso - a síntese disjuntiva - onde se
evoca a quântica sexual - as zonas de indeterminação (intersecção) do masculino
e do feminino, o sentimento de si ?
macro(micro)cosmos
Notar-se-á,
de passagem, que a maioria das visões cosmogónicas indicam que a noite procedeu
o dia. Poder-se-ia referir a cultura grega que forjou a crença de que a
noite é filha do caos. E que da escuridão e da morte nasceu - em definitivo - o
amor (a ordem e a beleza, como tal). E assim o amor - repito - deu origem à luz e ao seu companheiro
o dia radioso. Chegamos, entretanto, à questão dos seis “épocas” e do tempo
requerido pela criação - documentado no livro hebraico Beréshit (No Princípio, Gênesis) - em que o sol e a lua só surgem
de per si no “quarto dia”. Assim, por certo, a palavra hebraica "dia" (yom) pode implicar um largo período de tempo. Resulta evidente que aqui "dia" abarca mais que vinte e quatro horas. Se bem que
ainda se possa ainda estabelecer uma distinção - seguindo a tradição
extremo-oriental - entre as duas partes do mundo que se complementam - o céu e
a terra - o yang (luminoso) e o yin (escuro) - é crucial compreender que
- neste sintético quadro de referência - para cada ser existe uma analogia entre
o macro-cosmos e o micro-cosmos, as duas metades do andrógino primordial.
coincidentia oppositorum
O
que justifica a semiosis de uma
escrita pulsional que - para lá das proposições significantes - remete-nos (no
sentido lato do termo) a uma polaridade de sentido e, por conseguinte, a uma dialéctica arcana (auto-implicativa)? Na
base deste poemário - em que se cristaliza a forma supplementum do
impulso sexual originário - está a proeminência de um binómio onde coexistem hic et nunc a pulsão; o estado de prazer
e o seu correlato, o desprazer; a irrupção do desejo, que se exprime sob a
forma de estado de expectativa e de busca, alimentado por representações
(inconscientes ou conscientes).
síntese lírica
Reconhecer-se-á
a pre-figuração de um título antinómico - da correspondentia - luz e treva
- que veicula, ademais, uma dimensão originária, fundante. Precisemos, ainda, que este
poemário reproduz a “con-dicção” lírica - ou é a explicitação da coincidentia oppositorum. Compreende a
articulação de um (sobr)erotismo - assente numa visão processual binária - permite-nos
elucidar um arquétipo cósmico. Um livro
indispensável onde não podemos deixar de destacar as ilustrações de Elisabete Pires Monteiro
que tem por correlato as fulgurações do conhecimento do outro: o amor (eros). Porquanto,
nesse entrelaçamento, o corpo torna-se linguagem e a linguagem inscreve-se na
materialidade do corpo.
Alexandre Teixeira Mendes
Porta XIII - Vila Nova de Cerveira - 15 de Março de
2014