sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

AS NAVES DO IMPONDERÁVEL - VOZ ACLARADA - SOM INDUBITÁVEL -


quem - confinado a tiro - persiste junto  ao que soçobra -

entre a argúcia - da pedra -  as naves do imponderável ? -

sob a luz inigualável - subsiste no aéreo - voz aclarada -

vórtice do cemitério marinho - hidra - som indubitável ? -


 
 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

S. GENEVIÉVE - ABELARDO - UM OUTRO LÁZARO -

sobre a montanha de s. geneviéve permaneci errante - filósofo de piedade -  um homem só -
amigo assíduo de abelardo - santo desconhecido -  perscrutei o irrevogável -  a indolência -
hei-de livrar-me desta casa - de traves de carvalho -  onde outrora  o júbilo me abandonou  -
por esta noite suspendo a argúcia -  desisti de crer - no imponderável  - sou - um outro lázaro -

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

REGISTO DO DIMINUTO - J.S. BACH - O IMPERCEPTÍVEL GRAMOFONE -

1)
no registo do diminuto - escutas - j.s.bach - 
tardia desesperação - voz do condicional  - 

2)
dia após dia - o imperceptível gramofone -  
som - do minucioso -   pulsar do inaudível ? -  

3)
por sobre o rasto do insone - persistes imóvel - 

na quietude do ar - a lucidez do exasperado - 

4)
junto do mar - de sal  - o branco irrevogável -  
a retina do assíduo - escassez do irreconhecível ? - 

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

INEXAURÍVEL SEGREDO - VOZ DE PERSÉFONE -


sob o inexaurível segredo - a voz de perséfone -
 
o que se entrevê - junto à  escrita - do insone -
 
por sobre o intento da palavra -  o submergido -
 
 

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

DICTUM ALTHENTICUM - RICTÚS DE MALLARMÉ - A INADVERTIDA VOZ - DE HERODÍADE -


1.
nos confins da  mente -  irrevogável -  o tigre - o rictús de mallarmé  -   

o que perpassa -  no dictum althenticum - essa especulação indefinível ? - 

2.

da elegia te manténs -  música láctea - inarticulada voz - de herodíade -  

pressuroso de  inactualidade  - esquecido de ser - a histeria - o utérus ? -  
  


3.

permanecer na película - cd-rom - vácuo - peyote aclarado -

zapping - sonho-visão - equação -  a terminologia do indizível ? -


4.

sob o som que soçobra  - na obstinação do inábil - submerso  inexprimível -  

a incumbência da palavra - insubstituível  - ímpeto do signo -  inverossímel? -  


quinta-feira, 11 de julho de 2013

CIFRA - DITAME OBSCURO -


o que aflui - na pedra e cal  - espaço  - acúmulo - de figuras -

cúpula - nublada -  do sumptuoso - que transpus - ranhuras -
 
pluma de ave -  dragão - serpe - recôndita - do imponderável -
 
ditame obscuro -  prédica - cifra - incumbência do inexorável  -  
 


terça-feira, 9 de julho de 2013

TÉSSERA DO LATENTE - INFALÍVEL IGNOTO -


tácita mente - téssera do latente - incomensurável -
infalível ignoto - tácito que exalto - assiduamente?
 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

INCONGRUÊNCIA DA FALA - O OSSUÁRIO -


quem se detém - na nudez - do peremptório - abdicando da voz - permanece no recôndito - sobre o deserto - ressurge na incongruência - da fala - seu túmulo de pedra - o ossuário -

 

segunda-feira, 15 de abril de 2013

ÉCLOGAS DO EXANGUE - PROFUSSÃO DO IMPONDERÁVEL -


por sob as éclogas - de bernardim ribeiro  - a intransigência do inexplicado  -
 

infindável - mente - écran - voz célere - do inábil - alento irreversível -


ante a casa antiga - a inevitabilidade da pedra - os jacintos - a torre inabitável -


no intento da luz - indissolúvel -  os mapas do insano - profussão do imponderável -




quinta-feira, 14 de março de 2013

A SUBMERGIDA - MENTE - IGNOTA MESTRIA - AQUIESCÊNCIA - DO ERRÓNEO -





sob o frémito da noite - inabalável - a submergida - mente - ignota mestria -  (in)saciedade da palavra - aquiescência - do erróneo - viagem inegualada -

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

DO MUNDO MOVENTE, EVEMENCIAL, FÍLMICO EM AURELINO COSTA

Uma poética dos sincretismos icónicos e devocionais


A referência que se destaca entre todas as outras, em “Domingo no Corpo” de Aurelino Costa, é a da realidade fílmica - a imagem-movimento - que coincide também com o material plástico e humano - sob a fluidez (a magia) do sensível. Poemas-fotogramas - campos visuais –textos-chave - onde se (re)afirma(explicitamente)- na sequência de um enredo cinematográfico - um “eidos” do dessasssosego.

Látego filme do que não há

encanastra até ao gume tudo o que nos consome

amor dório

estardalho lume



foco a verruga no olho casto

mergulho o cabelo comprido no lago do teu

unto a zinco o seio no húmus da luz sistina dos séculos



quando?, até quando sacro orvalho da manhã d`outono

onde dispo o sonho?



(“o dia de hoje!”)

 
Percebemos delinear-se aqui uma poética ancorada num ascetismo hiperbólico - uma (capital) depuração da linguagem - onde se aglutinam metáforas da materialidade ou da vida orgânica (conquanto evemenciais). Que é, pois, rigorosamente, uma poesia da obliquidade - do quântico - que se reclama do campo do (in)dizível. Ela exibe um certo compromisso de purificação, conversação e iniciação: coloca-se regulado pela empiricidade do corpo enquanto desejo (que não é apenas polimorfo e perverso é também mórbido).



ultimou insaciável a encomenda:

o meu futuro é a morte.



em girândola fosca piscou argonauta e saltarico



na engrenagem em válvula submeteu-se ao futuro

prescrito na gôndola da memória descascou a língua

muito calmamente como quem aguça a farpa

mostrando a omoplata a descoberto da noite

entoa uma gargalhada onde peristilo alberga

a grande metáfora da purificação



(“o dissolver”)

 
Do ápice (retiano) visionário

Consideremos, antes do mais, a persistência de uma escrita - em escala microscópica - no ápice (retiniano) visionário –halo (impulsivo) psicótico -da “inscrição originária”. Assim se esboça uma poética das intensidades e das fulgurações –das múltiplas e indefinidas intersecções –dos “puzzles”ou imagens(sur)reais. Sucintamente: uma poesia onde se descarta a circularidade viciosa da mente (rescógita). Efectivamente, este poemário, situa-se num plano em que se conciliam a percepção inconsciente e subliminar. Trata-se de uma escrita compulsiva, tomada como um todo, que nos remete à evanescência do tempo. Aqui se conjuga – como se supõe - para usar as palavras de André Green em “LesChaînes d ` Éros” - a força (dinâmica da pulsão) com o sentido (vectorizado pelas representações de palavra da fala).



Agasalhei a febre líquida em antuérpia

e balbuciei o nome da rã

por lagosta



não mais a leprosaria dos escombros

mediu a aresta do gozo

prosélito recordo uma mão metálica

que me faz subir a estação

e engrossar a língua de tanto gemer



até o confesso da chalaça

aquilatou ideias

como falar papas?



Mistura-se sangue em gema d’ ovos

e leva-se ao forno a alta temperatura

até que o vapor condense

no fundo da boca



(“uma febre fenótipa das bruxas elas”)


Da pulsão do real e do catolicismo afectivo

A poesia de Aurelino Costa surge-nos, em suma, inspirada no uno-todo - a ideia de cosmos - num tempo em que a natureza foi dessacralizada. Podemos falar, no fundo, de uma poética de teor religioso (existencial) que - sem fazer apelo à “hipótese Deus”- nos surge identificada com a proclamação da palavra (desfilando suas experiências da quotidianeidade e dos objectos comuns poetizados - ou, mais simplesmente, dos cenários dos animais e da terra animada). É, todavia, a partir do desejo (deslizante) e da linguagem (movente) que podemos deduzir a “pulsão do real” nesta escrita. Que incorpora, desde o início, uma tensão entre o sagrado e o profano. Nas projecções e introjecções de um catolicismo afectivo (longe das predisposições beatas, dogmatistas, obscurantistas, de ghetto), é crucial falar, se se preferir, de uma obra do detalhe minucioso - consubstanciando um expressionismo abstracto - tensional. Podemos descortinar núcleos metafóricos, rastrear influências, supostas ou reais, enquanto registo ou captura da vivência humana.Parte-se da “experiência absoluta” que, como assinala p. ex. Emmanuel Levinas, “não é desvelamento, mas revelação”.



o silêncio mármore do lampadário

arde

enquanto move líquido a fala de bispo

poderei ressuscitar a cobra aos pés da santa



- a garupa teme os salmos mais tensos



como oscilar entre o martírio renegado

e a comunhão dos hospícios?



move-me o perímetro da testa…



por litro?



- entre arcanjos?



(“gominhos d`alho doce”)


da paradoxalidade e do fatum

Começamos a poder elucidar, em pormenor,a natureza e o alcance desta poética de acoplamentos (inusitados) - sob o signo da paradoxalidade - mas onde se pressupõe, desde o início, o fatum - o “sentimento trágico da vida” (que experimenta o ser humano).



estender as mãos

no peito elegíaco da memória



debruçar sobre as anémonas

neste dia de tragos húmidos e verdes



de sol borracho e intempéries



colher hálitos de begónias selvagens

e não morrer



há um pathos maior

e coagulador



neste fado



(“à excepção”)

 
A escrita de Aurelino enraíza-se na escuta poética da natureza. É preciso reconhecer que a antiga aliança foi quebrada. Na “relevância” - na pertinência e na actualidade da psico(pato)logia - onde a “coisa em si” é o ser humano. E é exactamente uma escrita elegíaca e melancólica (no seu foco próprio e sentido amplo) que também tem fontes arcaicas e religiosas (sincretismos icónicos e devocionais). O aspecto penitencial de alguns dos seus textos exerce, muitas vezes, uma função terapêutica.

 
Da intentio de desconstrução e do “zoo humano”

Uma escrita de concisão verbal - no seu intentiode des-construção - onde se descobre o “zoo humano” - o “parque zoológico” (na fórmula de Peter Sloterdijk) - onde se interpõe a (re)consideração radical do humano. Será útil que nos detenhamos no carácter ambíguo e complexo da sua linguagem - no continuum situacional do que nos transporta ao animal humano ou o que podemos chamar pathos: por um lado, o fluxo caótico do real, a incompletude ontológica; por outro lado, o vazio, o abismo onto-existencial que atravessa e define o homem. No seu influxo lírico e religioso onde se amalgama o tempo não-conciliado - o caos-cosmos - a imagem-movimento (referida ao sublime) e uma certa hybris (sensível, pensante) - descortinamos, no entanto, lógicas seminais



derramo sobre o tojo

a sede e o veneno



lavar-me-ei mais tarde

o meu corpo etiquetado

aproxima-se de outro

aguarda, o costume.



qual o lado da verdade quando se alapa

e trunca sobre o poder sua farpa de origem:

ou morres ou és sacana, estás comigo ou és contra mim?



(“lavar-me-ei mais tarde”)

 
do proprium, do si, do self

 
Os seus poemas interpelam, circularmente, se assim podemos dizer, o homem - do latim homo - cuja etimologia é da mesma raiz da palavra húmus (terra) - que padece de uma essencial fragilidade e transporta em si o inusitado e o (des)integrativo. O incontestável é que - na sua escrita - entrecruza-se a referência a uma atmosfera subjectiva de enaltecimento e revelação da humana conditio - através da path-ética - onde se restitui à psychè o seu lugar próprio no composto humano. Mas neste caso a dialéctica da individuatio - do proprium, do si, do self - a (in)vulgaridade do existir. Tocamos, aqui, no reconhecimento de nossa dependência e vulnerabilidade. Não se pode perder de vista o importante facto de que somos seres únicos e irrepetíveis - intrinsecamente feitos de ilusões e - havemos de concordar - falíveis - permeáveis aos erros - esmagados mais uma vez pelas “grandes narrativas”. Vemo-nos, claramente, confrontados com a (im)possibilidade da pureza e do milagre: a própria inacessibilidade da felicidade e da redenção (salvação).

 
da compulsão à repetição

 
Em Aurelino Costa defrontamo-nos com os nossos actuais descontentamentos - para usar uma expressão de Tony Judt - se nos confinamos à política do medo - o culto da privatização - e, portanto, o feiticismo do dinheiro e da mercadoria. Apercebemo-nos desse singular paradoxo: a solidão efectiva, a psicose como forma de existir (Binswanger). Pense-se, por exemplo, na tendência à repetição ou compulsão de repetição que é - segundo Freud – a característica mais relevante do neurótico.



mar ingente os hipermercados

bocas de fome as embalagens

as luzes que tremem são teus olhos

incapazes de (a)pagar a electricidade



o design do nada nas palmas o silêncio

que fazem no verde código verde?

Oficiar avés na ladainha dos preços?



passam de carro as caras aquecidas

não tens lugar para o choro, resta-te o frio

dos cartões ninguém se descarta:

contaste 12 visas e masters na carteira

que encontraste sem código



alguns vizinhos teus do sub

murcham a óptica em direcção à esperança.



tu desligas as tuas luzes.

talvez não acordes.



(“mar ingente os hipermercados”)


 
do (in)vertebrado

Cabe ainda uma reflexão sobre o fulcro do desejo (da voluptuosidade) nesta escrita impregnada da afirmação objectal. Aqui radica a dávida (agapé), a caritas, o sacramental, a fidelidade vinculativa. Parte-se várias e reiteradas vezes da sacralização da vida quotidiana - da errância e dos meandros do mundo movente e onírico (a face bivalente das coisas) - da convicção nobre e antigaa de que tudo está ligado. Dito isto, será fácil de compreender uma poética(in)vertebrada -da veneração e da vibração panteísta - no compromisso do que mais importa (Plotino)- impregnada da beatitude e do desvario - da instância cinematográfica-musical -a consabida extroversão. Seja como for, o certo é que a poética de Aurelino Costa coloca-se na direcção de um reconhecimento da primazia do impulso, do corpo, do sensorial, do genital.



Subtraído e alheado o testículo anelar

sobe e desce a súbita garganta

descarrega o pássaro

na bota



o apostolado em orgia branqueia o vinho



os congregados adormecem

que repouso



(“sem, tudo é mais tranquilo e doce”)

 
da iluminação e do (ir)representável

 
Haveria muito a dizer sobre um tipo de escritura poética que interiorizou a veemência da “iluminação profana” (Walter Benjamin), pressupõe um privilégio do emocional sobre o cognitivo..E que permanece, rigorosamente, uma poética da “circunstância” biográfica” (onde se perscruta, no seu aparato, o “script” da vida). Neste contexto, reveste-se de particular ênfase a relevância concedida ao corpo pulsional (sexuado) apossado pela linguagem e que é fonte de uma potência subversiva (o daimon, o oráculo interior). Encontramos aqui também claramente subjacente a noção de que o conceito de (com)pulsão pressupõe a linguagem e a ordem simbólica. Não há dúvida de que é o surgimento da palavra que faz emergir, concomitantemente, a ordem humana. Lembremo-nos que a escrita - que se interpõe no caminho do corpo - passivo - subjectivo -é, em diferentes níveis, a metáfora do silêncio Pressupõe-se que o vazio é o silêncio da palavra. Assim se encontram misturadas a linguagem depurada (dentro do cânone da poesia clássica) e as expressões de um poetizar desviante (entenda-se: impuro, “bizarro”, “niilista”). A ênfase está na sua associação ao indecifrável. Já o cut-up, a montagem, no pressupor a escrita como traço do (ir)representável, que dá voz (e a voz) ao (in)comunicável.




terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

NOSTALGIA - DO SOLÍCITO - LYROSOPHIE - CÓDICES DO AÉREO -


como fixar os mapas - do inabalável -  na iminência do mar - de sargaços -  escutar  - seu corpo - inábil - do ar - da água - o incomensurável -

sob o inerme - a pronunciação que não cessa - a paráfrase infinita - voz do intérmino - nostalgia - do solícito -
 
lyrosophie -  injunção- (sobre)posição - da palavra - ténue saciedade  - da pedra irremovível  - a areia e o mar - códices do aéreo -  
   
 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

SAL DO IRREVERSÍVEL - SERPE DE OURO - O DILÚVIO QUE TARDA - SERPE DE OURO - PEDRA IRREDUTÍVEL -


resta-me a sucinta câmara - as fotos - do promontório -  sobre o sal irreversível - os mapas - que não decifro - ilha - serpe de ouro - pedra irredutível - o dilúvio que tarda - num corpo só - a voz incompreensível? -
 

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

POEMA-COSMO - DO ELÍPTICO - ORNATO -


ante o  que se aparta - no accentus  - da voz - a lucidez do esparso -
o poema-cosmo  - do elíptico - ornato - deserto inapreensível ?


sobre o dizer - do insone - a corça branca - o prado - ininterrupto -
epigrammata - entreacto - copo de dados - nuvens do inalterável -
 

 
 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

ESCORÇO - DO ENTREVISTO - CIRCUNLÓQUIO -


sob o  irremediável esvaimento  - reclinar-me na pedra - as altas torres - para apreender o plausível -  a profusão das figuras - dúplices  - signos - do inesgotável - variações sobre nada - escorço - do entrevisto - circunlóquio - o que nos instiga- ao animal inalcançável - o alento do unicórnio -
 
 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

IMAGENS - DO INSANO - PENTAGRAMA - PUPILA - CEGUEIRA IRREMEDIÁVEL -


sobre as imagens - do insano -  discernir o frémito - da luz - dos holofotes - a  figura  inalcançável - e remover a serpe - inescrutável - pedra sem remate - neste afã do pentagrama - minha pupila - quietude  da  cegueira -  irremediável -
 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

PEDRA DO IRREVOGÁVEL - INTÉRMINO - ESVAIMENTO -


sobre os mapas  - do aéreo  - tácito - mar - do escasso -  pedra do irrevogável  - espuma   do  constante - intérmino - esvaimento -
 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

AS IMAGENS - DO INCOMENSURÁVEL - A TÉNUE FIGURA DO CERVO - ESSA SERPENTE NUBLADA -


por sobre a abnegação - ante a luz que se refracta  - transpor as pedras  -  do  incólume -  manter-me  no emerso -  terra adentro - e vislumbrar as imagens - do incomensurável -   a ténue figura - do cervo - essa serpente nublada -  

 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

António Pedro Ribeiro: individualismo revolucionário, xamanismo e u-topia



De entre os últimos livros de António Pedro Ribeiro, merece ser especialmente citado “Fora da Lei” (e-ditora, Braga, Dezembro de 2012), um poemário miscelânea- iconoclasta que inclui um CD com gravações (recitações) do autor e diseur (ao longo do ano corrente). Todos estaremos de acordo em que estas páginas se inscrevem no quadro de uma escrita testemunho assente em esquemas e fórmulas composicionais pré-estabelecidas - jogos enunciativos - temáticas de teor auto-biográfico (no seu contexto preciso: o domínio dos “fantasmas” pessoais). “Combato os demónios/como Horderlin, Kleist, Nietzsche/vou até ao infinito” (p.30). Desta escrita, segundo o quadro poético-base dos fluxos mentais e da errância - habitual e constante - de ser e ser algo – singular e próprio - das combinações múltiplas – fica-nos a vizinhança imediata com o “caminho excêntrico” de que nos fala Hörderlin. Tem assim o condão de nos remeter à u-topia e ao niilismo (democrático).


hors la loi

 Esta poética surge-nos, antes de mais nada, associada à recusa do poder e do controlo tecnopolita (para usar a expressão de Harvey Cox). Mostra-se-nos guiado pela crítica das estruturas centralizadas de dominação e, no entanto, do capitalismo manipulativo (onde será necessário acrescentar: a lógica do (ter sobre o ser) mercantil). Diremos que estes textos-poemas coincidem também com um tom semi-insurrecional  - no re-assumir da praxis política - da  dialéctica do fora-da-lei, hors la loi -  do “discurso livre”. E em que se reclama o compromisso militante (minoritário) e o próprio ideário da liberdade: a "liberdade livre" de Rimbaud. A escrita de António Pedro Ribeiro - já o dissemos antes - sempre se mostrou possuída por uma paixão central da “urbs” - a prática viva e“mítica” da cidade-panorama - transumante ou metafórica - da “polis” - dos “voyeurs” ou caminhantes metropolitanos- “on the road” - bem à maneira da beat generation - do “dire-vrai” sobre eros - as questões atinentes a todo o poder-dominação que se volve demoníaco (a “Kultur” consumista ou o “American Way of Life”).

iluminações

Na acentuação crítica do mundo quotidiano (everyday-world) e do mundo da vida (life-word)  - sob um fundo filosófico partilhado que nos remete à Internationale situationiste francesa e seus sonhos de revolução e libertação no domínio da vida quotidiana - as teses criticistas de Henri Lefebvre  -  esta poemática  encerra em si, necessariamente, uma vocação dialógica e comunal. O point de départ da poesia de António Pedro Ribeiro é, em sentido rigoroso e original, a discussão sobre “representação” e “autoridade”: a sociedade do espectáculo. A originalidade desta escrita-vórtice está no contínuo movimento de imersão/ re-emersão da palavra - dando prevalência à vox (vocis) - às “iluminações”. Poderemos pôr em evidência um tipo de poesia engagé - pós-radical - de inscrição ideológica “para-marxista”. Na crítica dos módulos e fórmulas da sociedade de mercado e de dominação - num contexto de “acelerada” “liquefacção” das estruturas e instituições sociais em que hoje naufragamos-  esta poética prima, antes de mais, pela singularidade e intransigência do seu radicalismo (a lição báquica): “mas há noites em que Dionísios/volta e aí dança, celebra e faz/tremer o instituído” (p.31)

niilismo
Os poemas de António Pedro Ribeiro exibem, em seu contexto de significação original, um questionar social e político: advogam um niilismo extremo, o l´enjeu do individualismo revolucionário (na acepção de Alain Joufroy). Sob a égide da crítica básica do sistema industrial-consumista - denunciam-se as patologias e as fraquezas da razão instrumental - os truques e mentiras (a linguagem corrente) dos contabilistas e dos economistas - do poder soberano e das suas instituições -  a situação humana, the human predicament  (na conceituação do teólogo Paul Tilitch). Mais ainda, os oligopólios - o mundo financeiro  - o escravismo e a opressão mercantil - a estrutura e a lógica da “sociedade unidimensional” (v. Manifesto Antinormalidade, p. 26-27). Unindo-se ao niilismo de Max Stirner e Guy Debord - as razões de uma revolta anárquico-libertária - Rimbaud, Morrison, Ginsberg e Miller - o próprio riso de Zaratustra – a obra de António Pinto Ribeiro assenta, de per si,  na assumpção cénica (assertiva) do desejo ( a "indizibilidade do único"). Não teremos dificuldade em entender, desde já, porque os gregos falavam de um logos spermatikos, a palavra geradora ou o pensamento seminal.

trans(e)versal
A poesia de António Pedro Ribeiro assenta, por conseguinte, -  já o vimos precedentemente - na crítica da alienação (manipulação autoritária) e da dominação (instrumental, organizacional e psíquica) - cujo protótipo simbólico é o “Zé-Ninguém”  de W.Reich. Referimo-nos a uma escrita que veicula latu sensu a insânia, o pathos da loucura e a ebriedade. Não se deve perder de vista a plenitude e a beatitude de uma poética sugerindo um caminho (de discernimento) alternativo (primordial e iluminativo): "asceta longe da tribo xamã encoberto" (p.21).Trata-se - à primeira vista - de uma escritura “engajada” - de apego ao trans(e)versal - que se opõe à visão normal - convencional. Poderíamos falar longamente sobre a conscienciosa rebelião desta poesia (porquanto uma escrita da contestação, do dissentimento ou da recusa). Temos assim uma poética mundivivencial da dicção coloquial quotidiana (para além da mera tradição lírica-discursiva).

activismo existencial
A poesia negativa e dialéctica-dialógica - catártica e des-construtora - assume a dissidência - o poder da contestação e do protesto que é essencial a todo o pensamento livre e criador. Esta escrita denunciadora do “vazio” do mundo - da ideologia e da linguagem tecnocrática do capitalismo planetário (que transforma a pessoa humana em um ser domesticado e unidimensional) esforça-se por ser - sob as estratificações das convenções fixas - uma poesia dos transes e transportes visionários. E é ainda bem preciso e essencial notar o seu pendor oracular e na coincidência com as correntes beat. Uma das dimensões destes textos é o forte pendor ideológico - enquanto propensão crítica do ethos do domínio capitalista e inclusive da res publica burguesa. Já que se admite que o poder político é basicamente sustentado pela coerção física, enquanto que o poder económico se sustenta através de recompensa e privação.  

hybris

Trata-se de uma poesia da iconoclastia e da irreverência (composta de palavras-chave no sentido estrito) que enaltece, vimo-lo nos capítulos precedentes, a auto-reflexão. Em que há também um  exercício crítico em torno da sociedade autoritária “unidimensional”. Por fim, o questionamento dum mundo dominado por critérios de eficiência e sucesso e, por conseguinte, assente na “auto-escravização”do humano. Verificar-se-á que esta poesia - com os seus laivos de narcisismo umbiguista   - está necessariamente ligada ao activismo existencial-visionário: de negação do ethos e do pathos do autoritarismo. Noutras palavras: uma escrita que patenteia, desde as primeiras obras, uma opção ético-política libertária. Falámos dos insigths de uma poética que nos surge mobilizada pelo “sagrado selvagem - o amor ao prolixo- a pro-jecção da hybris. “sou o canto das aves/e das sereias/sou aquele que renasce/e aquele que bebeu o Graal/que esteve com Jesus,/Merlin e Zaratustra//sou o super-homem/o poeta que reinará/sobre a Terra/sou Quixote/a lutar contra os moinhos/sou Artur de Camelot/sou todos os vencidos/que hão-de vencer/sou a água dos rios/sou o poema que não acaba/a canção que não se cala/o ouro todo do mundo” (pp.18-19)

profecia

Parece pois que as diligências da escrita de António Pedro Ribeiro, do poeta como do “performer”, são comandadas, cada vez mais, pela “projecções” do inconsciente. Isto traz-nos à mente os mecanismos de dissociação efectiva da identidade. A sua forca de gravitação está na apologia do “espírito livre”: libertação e liberdade colectiva. Tendo em conta essa outra virtude que é a poesia manifesto. Mais: a causa em que parece enfileirar é a causa da velha e da nova esquerda em estilo profético: democracia, auto-governo, organizações de base. É aqui que se faz importante a verificação da missão da denúncia e da profecia (já o indicamos anteriormente). Mas onde se enfatiza  a liberdade e a “auto-determinação”: a de que somos “fazedores de mundo” (assinale-se a obra "Ways of Worldmaking" (1978) de Nelson Goodman) e a de que - note-se - estamos constantemente a fazer “novos mundos a partir dos velhos”. Como no-lo diz: “Capaz de gerar estrelas crio mundos novos” (p.43). Mas, pela sua própria natureza, uma poesia de "demanda" que - no seu teor cívico-ético - planfletarismo - simboliza a insurreição, a revolta, enfim, a crítica ao fascismo (democrático) em acto - que Agamben-Foucault denominou "bio-poder" - , quando se associa a visão paradigmática política do Ocidente ao campo de concentração.

(contra)poder

A poética da qual falamos é o exercício de um "contra-poder" (num aferrar-se à ideologia libertária e democratista). “Os instrumentos pelos quais o poder é exercido e as fontes do Direito para esse exercício - escreve Kenneth Galbraith – estão interrelacionadas de maneira complexa. Alguns usos do poder dependem de estar oculto, de não ser evidente a submissão dos que a ele capitulam” (Anatomia do Poder, Difel, Lisboa, p. 19).  Observar-se-á, portanto, que o poder (no estrito exercício e manutenção)  nunca pode, afinal, dissociar-se  do seu appparatus.  O que não podemos esquecer é que a história é normalmente escrita em torno do exercício do poder. Assim sendo poderia igualmente ser escrita em torno das fontes do poder e dos instrumentos que o impõem (Ib. p.105). Haveria apenas de perguntar se, basicamente,  a finalidade do poder é hoje o exercício do próprio poder? E se tem ainda sentido admitir-se a poesia - passivamente como activamente - num mundo assente nas relações de poder -  enquanto dom, hospitalidade, transe, desmesura?

leviathan

 Na presente obra submetem-se a um exame crítico as categorias jurídicas tradicionais: re-equacionam-se os fundamentos do poder político e do direito (o novo leviathan). Não se trata evidentemente de propor a abolição dos códigos e das regras mas de considerar que o direito não é redutível a: 1) uma série de ordens ou imperativos, 2) um mero sistema de normas, 3) regularidade dos comportamentos, 4) função de uma realidade de tipo objectivo-natural. O que queremos sustentar é que a lei - as normas jurídicas - são fenómenos impessoais. Mas o que aqui é relevante é o dogma do liberalismo e do neo-liberalismo jurídicos - tácitamente uma ordem jurídica fechada e completa (primum verum). Parte-se aqui confessadamente de um desmascaramento da ideologia da “ordem”(da “normalização”) na acentuação de um confronto assumido que incide sobre a doutrinação uniformizante e a política moderna (como uma forma específica e difusa da guerra) super-dirigida. É razoável supor que a liberdade de realização dos fins individuais está pré-determinada pela história e pela sociedade. Na expressão de António Pedro Ribeiro: “Os negócio dos homens nada nos dizem/ entre faunos e sátiros/ erigimos a nossa morada/o homem vulgar não nos atinge” (p. 62)

 (in)submissão

 Não é necessário dizer que a linguagem mordaz e a linguagem mágica permanecem. Vem depois a valorização da natureza-experiência primordial e, em particular, da infância (imóvel). Distingue-se pela concepção rousseana - franciscana-silvestre do homem - que se revela da mesma natureza das pedras, animais ou plantas. “Celebro o triunfo da Arte sobre a sobrevivência. Sou o homem que vem dos séculos, da floresta. Trago em mim o enigma da existência. Sou rei, mago, poeta. Sou delírio e loucura. Sou o primeiro homem. Não conheço limites, sigo a liberdade antiga” (p. 22). Digamos - para encerrar, e de passagem - que esta poesia configura, nas suas linhas gerais, o cosmopolitismo, num tempo de mundialização do urbano, - das cidades-mundo - em que de facto se adensa particularmente a aceleração da história e, por outro lado, a decadência da paisagem (a destruição da natureza). E que supõe também o emergir do monstruoso (criado pelo homem) e a crescente artificialidade em todas as dimensões essenciais da existência. As estruturas políticas (incluindo o Estado) não existem fora da totalidade social de que são um elemento integrante. Revertendo agora ao nosso ponto, temos que a escrita de António António Pedro Ribeiro é mais o ponto de vista afirmativo da mensagem libertária - uma poética que recupera o ideal - o arquétipo do poeta-xamã. Ora - e para falar a linguagem de Platão - a poesia supõe a inspiração, ou seja, uma possessão do poeta por uma força divina, seja qual for, Musa ou Apolo, ou um “fora de si”, mais ou menos definido. Mas onde o testemunho “numinoso” é ainda transe.

Café-Bar Olimpo

Porto 21 de Dezembro de 2012

 Alexandre Teixeira Mendes